sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O PAPEL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

A comunicação social tem um papel relevante em qualquer sociedade hodierna, de globalização, e, para isso, tem de ser isenta e livre.
Mas isso, por si só, não chega.
À comunicação social, e em especial ao senhor jornalista, compete-lhe um outro papel, também ele igualmente importante: o de instruir as populações, de formar as mentes dos mais jovens, utilizando uma linguagem correcta e variada, saindo dos estereótipos vulgares. O léxico português é um dos mais ricos do mundo, mas para quem ler/ouvir a comunicação social portuguesa verifica que esta é de uma “pobreza franciscana”. Felizmente que alguns jornais – os denominados jornais de referência – vão fugindo a esta tendência a que nem as televisões escapam.
Concretizando:
Quando noticiam que uma qualquer figura pública se separou, informam o incauto leitor que “F está novamente solteiro”. ERRO!! Os estados civis não se mudam a bel-prazer do senhor jornalista. Quem quer que se case é casado; se se divorciar é divorciado e não solteiro, se enviuvar é viúvo e não solteiro. Quem vive em união de facto não está casado(a).
Ao dar uma informação sobre uma determinada freguesia do município de Lisboa, informaram que era a “freguesia mais populacional de Lisboa” quando quereria, certamente, dizer populosa.
A sempiterna confusão entre aluguer e arrendamento: um automóvel não se arrenda tal como uma casa não se aluga! Alugar é ceder onerosamente um móvel e arrendar é ceder onerosamente um imóvel.
E entre estada e estadia. Estada é o acto de alguém estar, de permanecer, num local; estadia é a permanência de um navio mercante, num porto, para carga e descarga. Consequentemente, um turista tem boa estada num hotel e um navio mercante uma boa estadia num porto.
Ao comentar o discurso de Ano Novo do Senhor Presidente da República um jornalista disse que o discurso era, cito de memória, “temerário, cauteloso e mesmo medroso”. Bem, ou se é temerário ou se é medroso. As duas, em simultâneo, é que nunca, mas nunca pode ser! Ou terá confundido “temerário” com “temeroso”?
Ao noticiar-se as obras feitas na segunda circular, em Lisboa, fomos todos informados que tinham sido encerradas, ao trânsito automóvel, duas faixas de rodagem para a construção de uma passagem superior. Fechando as duas faixas de rodagem encerrou-se a citada via ao trânsito automóvel, e não foi o que aconteceu. Ao que sei, foram encerradas ao trânsito duas das vias de cada uma das faixas de rodagem. O autor do texto fez confusão entre faixa de rodagem e via de trânsito. As nossas auto-estradas têm duas faixas de rodagem com um mínimo de duas vias, no mesmo sentido, em cada uma das faixas de rodagem. As restantes vias de comunicação têm, apenas, uma faixa de rodagem, com, pelo menos, uma via em cada sentido.
Outra informação: devido ao mau tempo, o trânsito da Ponte 25 de Abril obrigou ao fecho da faixa de rodagem da esquerda. Ora, se a ponte tem duas faixas de rodagem, uma em cada sentido, qual delas é a da esquerda? A do sentido Norte-Sul ou a inversa?
Por último, tem vindo a ser escrita uma palavra que não existe: segundo o “Dicionário do Português Atual Houaiss”, edição do Círculo de Leitores, de 2011, o termo “coadoção” não existe!
Depois, todos se admiram do linguajar dos jovens e do seu modo de escrever, tipo sms.


In Jornal de Matosinhos nº 1728, de 31 de Janeiro de 2014

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

IMPOSTOS MUNICIPAIS

No conjunto de impostos cuja receita se destina às autarquias locais (municípios portugueses) avultam:
- O imposto sobre o património imobiliário – o IMI
- O imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis – o IMT
O Governo Central, através da Autoridade Tributária e Aduaneira (resultante da fusão da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e das Alfândegas) cobra esses impostos, retirando uma percentagem, a título de despesas de cobrança, e entrega as verbas aos respectivos municípios.
Muito recentemente, os senhores autarcas da “Frente Atlântica” vieram lamentar-se que o Governo da República lhes prometeu um aumento enorme das receitas do IMI, mas que os números agora vindos a público são de uma diminuição e não de aumento, pondo em risco o cumprimento dos orçamentos dos municípios.
Segundo um dos presidentes de câmara, os prejuízos são na ordem dos 4,5 milhões de euros para o Porto, dos 3 milhões de euros para Vila Nova de Gaia e de 6% do orçamento de Matosinhos [JN de 17/01/2014] (curiosamente, para Matosinhos, o montante em euros não é especificado).
Há sempre um culpado nestas coisas: o Governo Central, o cobrador dos impostos que, no cumprimento da Lei, procedeu à reavaliação generalizada do património imobiliário urbano o que levou a uma baixa do valor patrimonial e, como consequência, uma baixa do IMI.
Ora, como é do senso comum, mas não para os senhores autarcas, se os prédios urbanos vão envelhecendo, o seu valor patrimonial vai, também, “envelhecendo”. E como não há prédios novos para alimentar o esquema financeiro (a especulação imobiliária) em que assentavam as finanças dos municípios até muito recentemente, estes vão vendo as suas receitas baixarem.
Essa quebra das receitas irá reflectir-se, obviamente, nos orçamentos municipais, e os autarcas, agora, exigem que o Governo Central, o tal cobrador dos impostos municipais, encontre “outras formas de garantir a sustentabilidade dos municípios urbanos do País”. E com um argumento muito interessante: apesar do “brutal aumento de impostos”, do “saque fiscal”, do “roubo aos portugueses”, todo este esforço “foi totalmente transferido para o Orçamento Geral do Estado e não para os municípios”! (*)
E tinha de ser assim. Quem tem de pagar a Dívida Nacional não são os municípios mas o Governo Central. E o Governo Central, e muito bem, transfere para os municípios aquilo que estes têm direito, à luz da lei vigente, ou Portugal não fosse um Estado de Direito Democrático.
No passado, defendi que os impostos municipais deveriam ser cobrados segundo o modelo actual, por economia de escala.
Agora, mudei de ideias: a liquidação e a cobrança dos impostos municipais deveriam ficar a cargo dos respectivos municípios que, assim, para além de ficarem a saber quanto custa liquidar e cobrar os impostos, ficariam também com o ónus dessa cobrança.
É que os cobradores dos impostos municipais (que não os seus destinatários) são apelidados, por tudo e por nada, de ladrões, de gatunos e de outras expressões que não constam no léxico dos dicionaristas, enquanto os destinatários finais desses impostos, e que os gastam a seu bel-prazer, passam por bonzinhos. São eles que “dão as casas”, que “dão espectáculos de fogo de artifício”, que “financiam as associações”, que “passeiam os nossos velhinhos”, que “constroem as nossas piscinas e os nossos estádios”, que fazem as rotundas, que … etc., etc., etc. … E, agora, vêm exigir um aumento generalizado dos outros impostos para “engordarem” os orçamentos municipais!!
 Ora, se os gastadores dos impostos municipais fossem também os seus cobradores “outro galo cantaria”.
Como qualquer dona de casa sabe, gerir com os cofres a abarrotar é uma coisa. Agora com eles vazios …

_________________________________________________________________
(*) Quem é que fixa as taxas do IMI? Se a cobrança do IMI é assim tão má, o que levou que muitos autarcas abdicassem de parte do IRS que lhes caberia!?

In Jornal de Matosinhos nº 1727, de 24 de Janeiro de 2014


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A FÚRIA DO ATLÂNTICO

Ainda o ano de 2014 dava os primeiros passos, já o Mar Oceano, que banha a nossa costa, mostrava a fúria dos elementos da natureza e, de imediato, todos podemos ver os danos causados de Norte a Sul do País.
O saber da experiência feito mostra-nos que o Oceano Atlântico, todos os anos, causa estragos na zona costeira, mas os nossos distintos governantes, autarcas ou não, vieram a terreiro informar as incautas populações que este ano foi o ano mais terrível de sempre.
Não foi nem será.
Há uns anos, nos primórdios dos anos 80 (século XX), lembro-me perfeitamente como a fúria do Oceano trouxe até ao jardim fronteiro do antigo Restaurante “O Garrafão” as pedras de granito que capeavam o murete da anterior marginal de Leça da Palmeira. Só não tendo causado mais estragos porque, à época, não existiam construções nem nos areais nem as famosas “tabuinhas” ao longo das praias.
Como cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, os nossos decisores políticos deveriam consultar os dados do Instituto Hidrográfico Português e logo ficariam conscientes da altura das ondas e se, as mesmas, coincidiram, ou não, com as marés altas, e nunca, mas nunca, permitiriam as construções nos areais nem teriam montado as “tabuinhas” onde as montaram.
E muitos milhões de euros dos nossos impostos foram, literalmente, por água abaixo e ninguém, como sempre, assumirá as suas responsabilidades.
E como a memória dos Homens é curta: não é assim tão raro existirem ondas com mais de 12 metros em Leixões, ultrapassando, por vezes, os 15 metros.



In Jornal de Matosinhos nº 1726, de 17 de Janeiro de 2014

sábado, 11 de janeiro de 2014

ACULTURAÇÃO

A Junta de Freguesia de Matosinhos-Leça da Palmeira propõe-se fazer a aculturação das respectivas populações através de eventos inauditos, isto é, de eventos nunca (jamais) vistos pelas respectivas populações.
Existe aculturação quando duas ou mais culturas entram em contacto uma com a outra, interagindo. Sempre foi assim ao longo dos séculos e continua a ser nesta época de globalização.
Não obstante Portugal ser o País europeu com a menor diversidade cultural (é o de cultura mais uniforme de todos os países europeus) há quem pensa que no seu município existem populações que necessitam de ser aculturadas através de eventos inauditos.
A aculturação é um processo lento – um contínuo constituindo paulatino – ao longo de várias gerações, e que se verifica em Portugal, como em muitos outros países, quer a nível de grupos (a aculturação resulta em mudanças para a cultura, costumes e instituições sociais, como, por exemplo, as mudanças na alimentação, nas roupas e na linguagem), quer a nível individual (as mudanças no comportamento diário, mas com inúmeras medidas de bem-estar psicológico e físico).
Exemplos vindos de terras longínquas não nos faltam:
»» Da Inglaterra, a conhecidíssima mimi-saia;
»» Das terras do “Tio Sam” a americanização é enorme: o “menino Jesus” foi substituído pelo “Pai Natal”, o “presépio” foi substituído pela “árvore de natal” e, mas recentemente, chegou o “dia das bruxas”, para não abordar a questão dos hambúrgueres (a MacDonalds, o BurgerKing) e dos cafés (Stabuks) e da música (o jazz, o rock and roll, os blues, a country music);
»» De França vêm as influências da “nouvelle cuisine française” que, gradualmente, vão destruindo as nossas melhores tradições gastronómicas;
»» Do Brasil, para além do famigerado acordo ortográfico, vêm as tradições carnavalescas substituindo as velhas tradições nacionais (em tudo o que é localidade as escolas de samba nascem que nem cogumelos) e influências gastronómicas (a picanha) e musicais (o samba, a bossa nova) e mesmo religiosas.
Isto a nível Nacional.
A nível Local assiste-se à enorme influência do grande município mais a Sul, que constitui uma única cidade, a cidade do Porto.
As “Festas das Sete Bicas”, na senhora da Hora, são uma sombra do passado e, no restante município, o feriado municipal – o do “Senhor de Matosinhos” – vai gradualmente cedendo do “S. João”.
Longe vão os tempos em que eram milhares os que, de todo o País, acorriam às duas festas, agora, praticamente mortas.
No feriado municipal de Matosinhos só fecham os serviços públicos. Tudo o mais está aberto. E quando é o feriado municipal do Porto – o dia de S. João – todos os estabelecimentos comerciais e escritórios de Matosinhos estão fechados. Nesse dia, Matosinhos mais parece uma cidade fantasma!!
Sabendo-se, como se sabe, que a aculturação é um processo lento e contínuo, aguardarei para ver os inauditos eventos que vão aculturar as populações de Leça da Palmeira e de Matosinhos, como se os eventos por si sós, e sejam elas quais forem, possam contribuir para a aculturação de quaisquer populações.
As suas culturas são assim tão díspares para que se possam influenciar mutuamente? Ou a pretendida aculturação visa a integração do município de Matosinhos no do Porto?


In Jornal de Matosinhos nº 1725, de 10 de Janeiro de 2014

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

CONVERGÊNCIA DE PENSÕES

Acórdão do Tribunal Constitucional nº 862/2013
Processo nº 1260/13


       O Senhor Presidente da República pediu ao Tribunal Constitucional que se pronunciasse sobre o teor das alíneas a), b), c) e d) do nº 1 do artigo 11º do projecto de Decreto 187/XII que estabeleceria mecanismos de convergência de protecção social, alterando a Lei 60/2005, o Decreto-Lei nº 503/99 e o Decreto-Lei nº 478/72.
       Grosso modo, haveria uma redução de 10% nas pensões já atribuídas aos funcionários públicos.
         Para o senhor Presidente da República essa redução é um imposto e havia, ainda, a violação do princípio da confiança e da proporcionalidade ínsitos no artigo 2º da Constituição.
         De um modo muito sucinto, a confiança depositada no Estado estaria quebrada, porquanto o funcionário, uma vez recebida a carta que lhe comunica a sua pensão, vê consolidada na sua esfera jurídica aquele montante que irá receber no resto da sua vida. E confia que o Estado lha irá pagar.
O Tribunal, no acórdão supra indicado, no seu ponto 45, in fine, diz que tais alterações legislativas são inconstitucionais pois “a redução e recálculo do montante das pensões doas a(c)tuais beneficiários, com efeitos imediato, é uma medida que afe(c)ta desproporcionalmente o princípio constitucional da prote(c)ção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa”.
Mas aqui surge-nos um problema: o próprio Tribunal Constitucional considera que as pensões podem ser alteradas “no contexto de uma reforma estrutural que integrasse de forma abrangente a ponderação de vários fa(c)tores. Só semelhante reforma poderia, eventualmente, justificar uma alteração nos montantes das pensões a pagamento, por ser acompanhada por outras medidas que procedessem a reequilíbrios noutros domínios. Uma medida que pudesse intervir de forma a reduzir o montante de pensões a pagamento teria de ser uma medida tal que encontrasse um forte apoio numa solução sistémica, estrutural, destinada efe(c)tivamente a atingir os três desideratos acima explanados: sustentabilidade do sistema público de pensões, igualdade proporcional e solidariedade entre gerações.” (sublinhados meus).
Como?
      Então a confiança que o reformado, ex-funcionário público, deposita hoje no Estado não será a mesma amanhã e depois de amanhã!?! Ou a confiança do ex-funcionário alterar-se-á em função de um novo contexto jurídico de alteração do actual sistema contributivo!?!
      Segundo o próprio acórdão “ … com o reconhecimento, ou desde que se encontrem reunidos todos os requisitos necessários ao seu reconhecimento, o direito à pensão entra na esfera jurídica do aposentado, com a natureza de verdadeiro direito subjectivo, um “direito adquirido” que pode ser exigido nos termos exactos em que for reconhecido. …"
…………………………………………………………………………………………………………………………..............………………………………………………..
         “Apesar disso, os titulares dos chamados “direitos adquiridos” encontram-se, à partida, numa situação que carece de uma tutela mais reforçada que a de um trabalhador que está ainda a formar a sua carreira contributiva. Nas pensões em formação, apesar de também poderem existir expectativas legítimas dignas de protecção – garantidas, em regra, por normas transitórias – os subscritores, futuros beneficiários, podem contar com a possibilidade de mudança, já que o legislador, através do artigo 43º do Estatuto da Aposentação, os adverte que o regime de aposentação se fixa com base ma lei em vigor e na situação existente à data em eu se verificam os pressupostos que dão origem à aposentação (cfr. Acórdãos deste Tribunal nº 99/99, nº 302/2006 e 351/2008 “.
      “O direito à pensão, enquanto direito adquirido, fundado na lei, com existência real, material, individualizado e incorporado no património do aposentado, a vencer mensalmente, em princípio, está mais protegido em relação a quaisquer modificações legislativas posteriores. Ali, o principio da tutela dos direitos adquiridos, positivado nos artigos 20º e 66º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, representa o acolhimento no plano infraconstitucional da ideia tuteladora do princípio constitucional da protecção da confiança ...”

In Jornal de Matosinhos nº 1724, de 3 de Janeiro de 2014