sexta-feira, 28 de março de 2014

A COLOSSAL DÍVIDA

Não há programa de televisão ou jornal que não fale da dívida portuguesa, do que ela tem crescido ao longo dos anos. São tão poucas as notícias do montante dessa mesma dívida e de quem são os nossos credores, isto é, quem são os que nos foram emprestando o dinheiro necessário para ir cobrindo os sucessivos défices das contas públicas, ao longo dos últimos 40 anos.
Fala-se em percentagem do produto interno bruto (PIB), mas isso é, quanto a mim, uma maneira de ir escondendo o montante total da dívida e de quem são os nossos credores. Alguém informa qual é o montante do PIB? E sem esse montante, podem falar em 100% ou 125% que isso nada nos diz, embora seja “só fazer as contas”.
A dívida actual é de 212.357 milhões de euros (não foi deduzido, ainda o montante pago em Março/2014, de 1.361 milhões de euros).
Pediu-se emprestado à “Troika” 78.000 milhões, o que quer dizer que, anteriormente, era de 134.375 milhões.
A quem, então, devemos?
Segundo dados que consegui coligir:
1 - Aos credores portugueses devemos 74.310 milhões:
» Aos Bancos portugueses – 26.200 milhões
» Às Seguradoras portuguesas – 9.400 milhões
» À Segurança Social – 9.000 milhões
» Certificados de Aforro e Certificados do Tesouro – 12.755 milhões
» A outros cidadãos portugueses – 16.955 milhões.
2 - Aos credores externos devemos 138.065 milhões:
» À Troika – 92.000 milhões
» A outros credores – 46.065 milhões.
         Agora os leitores do JM podem torturar os números até que eles confessem o que desejarem.
         Relembrando: os encargos com os juros da dívida são iguais às despesas anuais do Serviço Nacional de Saúde!!!

In Jornal de Matosinhos nº 1736, de 28/03/2014


segunda-feira, 24 de março de 2014

O REGRESSO AO PASSADO

Face à actual crise orçamental, fruto de um desvario nas despesas públicas, isto é, durante demasiados anos, as receitas do Estado, no seu sentido mais amplo, não foram suficientes para fazer face às crescentes despesas, pelo que se contraíram empréstimos, perdão, “vendeu-se dívida”.
Assim, nasceu o colossal défice do Estado, uma dívida que não foi feita nos tempos recentes, mas que têm de ser os actuais contribuintes a pagá-la, ou não fosse essa dívida de todos nós.
Para pagar essa dívida, nasceram inúmeras taxas e impostos, muitos deles travestidos de taxas, a mais falada delas é a Contribuição Especial de Solidariedade (CES).
Surgiu, recentemente, em artigo de opinião, a sugestão da CES ser substituída pela CEM (Contribuição Especial de Mobilidade) a ser paga pelos automóveis matriculados em Portugal, em função da cilindrada e da antiguidade. Isto porque, segundo o mesmo autor, em Portugal há demasiados automóveis, e, portanto, diminuiu a utilização dos transportes públicos.
Em minha opinião, será um regresso a um passado tributário não assim tão longínquo: as carroças pagavam taxas para poderem circular nas vias públicas e os cavalos também. Assim, se cada automóvel (carroça) pagar o seu imposto relativamente à sua potência (aos cavalos) estamos em sintonia com o passado – só os mais ricos poderão ter uma carroça e cavalos para o seu transporte privado, desaparecendo, assim, a democratização do uso do automóvel.
Como todos nós temos um pouco de legislador fiscal, atrevo-me, por isso, a “pedir” a repristinação de um imposto medieval. A lutuosa, segundo a qual, o morto, por ter morrido, deixava de pagar as suas taxas ao senhor Bispo, e portanto tinha que o indemnizar (indemnização pelas receitas cessantes).
Modernamente, a lutuosa seria a compensação do morto pelos impostos futuros que deixou de pagar ao Estado, no seu sentido mais amplo. O morto, porque deixou de viver (monsieur de La Palisse não diria melhor), tem de indemnizar todos os entes públicos pelas despesas que não fará mais, pelos impostos que não pagará mais. A água e a electricidade que deixou de consumir (as taxas de saneamento, as taxas da utilização dos recursos hídricos), pelo IRS que deixou de pagar, pelas contribuições à Segurança Social (caso estivesse em idade laboral, desempegado ou não) que não mais pagará, pelo IVA que deixou de pagar por não consumir mais, etc. etc.
Assim, à medida que forem morrendo os nacionais, os cofres do Estado engordarão com este velho imposto e, se pensionistas, melhor ainda. Além de o Estado deixar de pagar as suas pensões ainda receberia a indemnização pela morte do pensionista.
Nada mal. Pois não?! E esta hein?, como diria Fernando Pessa.

In Jornal de Matosinhos nº 1735, de 21 de Março de 2014


sexta-feira, 14 de março de 2014

A DESCENTRALIZAÇÃO E A DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVAS

Há pessoas com responsabilidades na gestão da coisa pública que confunde, no seu dia-a-dia, os conceitos de descentralização e desconcentração administrativas.
Um Governo, seja ele qual for, para poder governar tem de descentralizar o poder decisório e de desconcentrar os serviços sob pena de tornar ingovernável o território.
Foi sempre assim, desde que há memória, pois o Governo Central não pode decidir tudo.
Na antiguidade, numa era em que as comunicações eram lentas, os Assírios dividiam o seu enorme território em províncias (satrapias) sendo que os governadores (os sátrapas) agiam com poderes delegados, em nome do Xá.
O sátrapa era o chefe da administração da sua província, cobrava os impostos, era o juiz, o chefe da polícia e o chefe das forças armadas provinciais. E, periódica e pessoalmente, prestava contas ao Xá.
E além de agir com poderes delegados pelo Xá, desconcentravam os serviços. As repartições públicas da época eram distribuídas pelo território (os serviços de finanças, as esquadras de polícia, os quartéis, as alfândegas) tal como nos dias de hoje.
Após as suas conquistas, Alexandre, O Grande, manteve essa organização territorial porque viu nela o melhor meio de atingir os seus fins: uma boa governação dos povos conquistados.
E foi sempre assim, ao longo dos séculos, mesmo entre nós, desde os “ouvidores do Reino” aos “Vice-Reis das Índias” passando pelos “juízes de fora”.
Hoje, face à enorme complexidade da governação, o poder é descentralizado no sentido em que a tomada de decisões é partilhada por um ou mais órgãos na cadeia hierárquica.
E assim surgiram, em alguns países, as Regiões Administrativas que se foram subdividindo em territórios cada vez mais pequenos (os municípios) e estes em outros ainda mais pequenos (as freguesias) como é, aliás, exemplo único a República Portuguesa.
Mesmo dentro do respectivo município, o senhor Presidente da Câmara Municipal pode delegar alguns dos seus poderes nos seus vereadores ou noutros funcionários camarários, ou nos Presidentes de Junta de Freguesia, podendo, sempre, em qualquer altura, chamar a si o processo para decisão (avocação).
Noutras situações, em que os serviços estão espalhados um pouco por todo o território, em que o poder decisório último é do órgão máximo, estamos perante uma desconcentração de serviços. É o caso paradigmático dos Serviços de Finanças que tão bem se conhece: o poder decisório não está no chefe dos serviços locais, que pode agir, em alguns casos concretos, com poderes em si delegados pelo seu superior hierárquico, mas no topo da hierarquia, de harmonia com a complexidade dos casos, que é ou o Director-Geral da Autoridade Tributária ou o Ministro das Finanças ou o próprio Primeiro-Ministro.
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Com os actuais meios de comunicação, com a rapidez com que todos estão em contacto com todos, esta divisão territorial já não faz sentido. De facto, não estamos numa época da lentidão exasperante dos meios de comunicação. O longe se fez perto. As condições não são as mesmas que há duzentos e muitos anos. Mas alguns teimam em manter essa divisão territorial.

In Jornal de Matosinhos nº 1734, de 14 de Março de 2014


sexta-feira, 7 de março de 2014

A SORTE DA FACTURA


Há duas coisas certas na vida humana: a morte e o pagamento de impostos.
E se os impostos são absolutamente necessários para a vida em comunidade, estados há que, ao longo dos tempos, tudo têm tentado para que os seus cidadãos cumpram o dever de pagar impostos.
Hodiernamente, alguns estados decidiram distribuir pelos pagadores dos impostos alguns bens a fim de incentivar ao cumprimento dos deveres de cidadão.
Desde há longos anos, que Taiwan instituiu o sorteio pelas facturas pagas. E a insuspeita República Popular da China (sim, essa mesma, a comunista) instituiu raspadinhas e lotaria de facturas pelos seus contribuintes.
E, na esteira dessas medidas, a República Portuguesa criou, pelo Decreto-Lei nº 26-A/2014, de 17 de Fevereiro, o sorteio designado “Factura da Sorte”, que se encontra devidamente regulamentado pela Portaria nº 44-A/2014, de 20 de Fevereiro.
Assim, todas as facturas que titulem aquisições de bens e serviços efectuadas em Portugal pelas pessoas singulares e devidamente comunicadas, pelos emitentes ou pelos adquirentes, até ao final do segundo mês anterior ao da realização do sorteio, serão contempladas com um número.
Mas não para todas as pessoas singulares! Aqueles que forem sujeitos passivos de IVA devem informar quais as facturas que são de índole particular (ficando, portanto, de fora do sorteio aquelas facturas das actividades empresariais ou profissionais).
E, todas as pessoas singulares que não queiram entrar no sorteio devem comunicar expressamente essa opção, através do Portal das Finanças, e, em qualquer altura podem requerer a entrada no sorteio.
Por cada 10 euros de compras será atribuído um cupão, para o sorteio, o que quer dizer que, face aos muitos milhares de euros de facturação, divide-se por 10 e saber-se-á quantos cupões terá cada pagador de impostos.
Até ao dia 25 de cada mês, a Autoridade Tributária disponibilizará, no Portal das Finanças, a informação sobre as facturas elegíveis para os sorteios a realizar no mês seguinte.
Enquanto nos jogos de “fortuna e azar” o adquirente tem uma verdadeira álea (um perder ou ganhar) aqui, nestes sorteios, o conceito será, a meu ver, diferente: tudo dependerá da sorte da factura que originará o cupão premiado.

In Jornal de Matosinhos nº 1733, de 7 de Março de 2014