sexta-feira, 25 de julho de 2014

PRINCÍPIOS REPUBLICANOS (2)

No abolido regime monárquico havia uma união entre o Estado e a Igreja Católica, a tal ponto que não era permitida em Portugal qualquer outra religião. Era tão profunda essa união que não podia haver um português que não fosse católico.
Ora, essas ideias, por absurdas, foram minando a monarquia que caiu em 1910, e logo foram postos em prática os ideais republicanos: a separação entre o Estado e a Igreja. Isto é, o Estado, enquanto tal, não professa qualquer religião, seja ela qual for. O Estado Português passou a ser laico. E, assim, os servidores do Estado, enquanto tais, podem professar livremente a sua religião sem se imiscuírem nas funções do Estado.
Um funcionário público ou político, no exercício das suas funções, não pode professar qualquer religião, embora, enquanto cidadão, possa fazê-lo livremente.
Por isso, é de estranhar que tantos anos depois da implantação dos ideais republicanos, vejamos essa confusão, a promiscuidade existente entre o Estado, o tal que deverá ser laico, e a Igreja Católica.
Um Estado ou é Teocrático ou não o é. Não pode existir um Estado simultaneamente Laico e Teocrático.
Vem a propósito das diversas inaugurações, um pouco por todo o País, de edifícios construídos com dinheiro de todos os contribuintes em que aparece, sempre, um membro da Igreja Católica.
Os dinheiros públicos, pagos por todos os portugueses, com ou sem religião, são gastos em obras privativas da Igreja Católica, quando o deveriam ser exclusivamente a cargo dos respectivos membros. Tal como fazem as demais religiões que, além de suportarem o IVA nas suas obras, não recebem fundos estatais.
Esse comportamento leva-nos às seguintes conclusões:
1.     – A República Portuguesa continua a ser uma monarquia travestida em que não existe uma verdadeira separação entre o Estado e a Igreja Católica;
2.     – As monarquias modernas, por exemplo, em Espanha e na Inglaterra, ainda que formalmente monárquicas são, no fundo, mais republicanas que Portugal (1).

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(1)   Na recente entronização do Rei de Espanha – D. Filipe VI – não esteve presente a Igreja Católica nem os seus símbolos. Foi entronizado no Parlamento Nacional, frente aos representantes de todo o povo espanhol. O Rei é Rei de todos os espanhóis, independentemente da religião que professem, dos agnósticos e dos ateus. É Rei de todos e não apenas de uma parte da população ainda que seja a maioria. É um sinal dos tempos.
No Reino Unido, a Rainha de Inglaterra é também Chefe da Igreja Anglicana. Mas os membros do Governo e os funcionários públicos, no exercício das suas funções, não têm religião. Têm-na, ou não, na sua esfera privada.


IN Jornal de Matosinhos nº 1753, de 25 de Julho de 2014

sexta-feira, 18 de julho de 2014

PRINCÍPIOS REPUBLICANOS

Um município do Nordeste Transmontano teve por bem aprovar uma norma segundo a qual é proibida a utilização dos graus académicos (universitários), com base no princípio republicano da igualdade de tratamento.
Naquele município, pelo menos dentro das paredes do domus municipalis, a partir de agora, não mais ouviremos as palavras “Dr.”, “Eng.”, “Arq.” antes do nome do próprio.
É sabido que os portugueses, na sua maioria, por hábitos que radicam no longínquo passado, fazem questão de serem tratados pelo título académico, que, por força da democratização do ensino em todo o mundo, e em especial em Portugal, perdeu muito da sua razão de ser: é que, hoje, os licenciados são aos “milhões”, deixando de ser a pequeníssima elite de outros tempos.
Até aqui nada de mal virá ao mundo com a eliminação dessa terminologia. Antes pelo contrário, mas, por decreto, não vamos lá. Levará muitos anos a alteração das mentalidades para o desaparecimento desses resquícios de tempos idos.
Mas como os bons republicanos – os tais dos quatro costados – são mais iguais que os outros, ouviremos sempre, e dentro do domus municipalis, os tratamentos de “senhor presidente”, “senhor vereador”, “senhor deputado municipal”.
E os conhecidos princípios republicanos estão tão na moda que foi preciso legislação específica para acabar com a perpetuidade de funções em favor da base de um regime republicano democrático: a alternância no poder (o princípio da temporariedade).
Como se sabe, os republicanos são fortes opositores das monarquias por causa disso mesmo: a perpetuidade nas funções públicas que passavam de geração em geração.
Outro princípio fundamental de uma República é a prestação periódica de contas, em princípio, anuais (o controlo anual das contas dos dinheiros públicos).
E é assim que os Governos Centrais prestam contas publicamente, fazendo publicar, nos órgãos oficiais, as contas-gerais do Estado que englobam todas as receitas e despesas dos diversos ministérios e empresas públicas. E não apenas no Jornais Oficiais (na República Portuguesa, o Diário da República) mas também na internet (*).
E todos os cidadãos ficam a saber, caso queiram, onde, como e quando foi gasto o dinheiro dos seus impostos.
Mas a nível local, tal não acontece.
Os municípios e as freguesias deveriam dar a devida publicidade aos dinheiros públicos que gerem, tanto do ponto de vista das receitas (impostos e taxas) como das despesas verba a verba, para que todos possamos ajuizar da boa ou má gestão dos dinheiros públicos.
E, actualmente, é muito fácil prestar essas contas. Basta publicá-las nos respectivos sítios da internet. E se isso tivesse sido feito não se assistiria ao desespero actual de alguns autarcas para a satisfação dos compromissos assumidos pelas anteriores “gestões”. Por exemplo, a título meramente exemplificativo, para a realização de uma única festa (para o “foguetório”) em ano de eleições, uma freguesia gastou a receita de vários anos!

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(*) A Conta-Geral do Estado Português relativa a 2013 já foi aprovada (cfr. Diário da República, 1ª série, nº 125, de 02/07/2014) e estão publicadas no sítio da Assembleia da República.
Para procurar: colocar o cursor em “Fiscalização Política” e, depois, em “Conta-Geral do Estado”. Vai encontrar as contas desde 1997 a 2013. Ao pormenor.

In Jornal de Matosinhos nº 1752, de 18 de Julho


sexta-feira, 11 de julho de 2014

MATOSINHICES

A cidade de Matosinhos já conheceu melhores dias para nela se viver. Era, ao tempo, uma cidade muito mais pacata, em que os arruamentos tinham sido pensados para servir as respectivas populações (residentes ou forasteiros), em que os transportes públicos encostavam aos passeios, nas respectivas paragens (não paravam no meio da rua, parando todo o trânsito), o comércio tradicional não era uma miragem.
A abertura da ligação do IP4 ao centro da cidade (Av. da Liberdade, logo seguida da Av. da República) trouxe o caos, com centenas de automóveis que se dirigem para a cidade do Porto. Nem os sistemas de sentido único, nem os semáforos podem de algum modo evitar toda aquela confusão.
Os semáforos, quando funcionam, não estão em sincronia uns com os outros (obrigando a paragens sucessivas), o estacionamento é caótico e as ruas de sentido único complicaram o que era simples.
Matosinhos deve ser, assim, a única cidade do Mundo em que uma rede de auto-estradas entra pela cidade dentro sem que tenha sido preparada para isso.

* * *

Foi inaugurado, há poucos dias, um parque – o Parque das Austrálias – com uma área de 16.000 m2, localizado a Poente do IP4, fronteiro ao Tribunal Judicial de Matosinhos, limitado a Sul pelos acessos à auto-estrada, e a Poente por ruas sem saída.
Como chegar até ele?
Por onde se entra?

* * *

Foi, não há muito tempo, inaugurado, em Leça da Palmeira, um parque de estacionamento que terá custado largas centenas de milhares de euros dos nossos impostos, que seria para servir as praias.
Mas o mesmo encontra-se encerrado desde há algum tempo.
Porquê?
Sendo de utilização gratuita, o mesmo tem elevados custos para o erário municipal: água, electricidade, limpeza e salários dos funcionários.
Será por isso que continua fechado?
Se, por ventura, for essa a razão, não foram feitos os estudos prévios para o custo da obra e sua manutenção e conservação antes da sua construção?

* * *

         Na praia de Leça da Palmeira, junto ao Farol, encontra-se montada uma tenda branca, com algumas mesas e cadeiras no seu interior, sem que se vislumbre para o que é.
         Não existe qualquer indicação do que lá se passa.
         Independentemente do seu destino, não haveria outro local, em Leça da Palmeira, numa zona de melhores acessibilidades (mais perto dos transportes públicos e dos estacionamentos), por exemplo, nos jardins envolventes do “Forte Nossa Senhora das Neves”?
         Nem todos têm automóvel para as suas deslocações e nem todos têm a mesma possibilidade de se locomoverem até ao local.


In Jornal de Matosinhos nº 1751, de 11 de Julho

sexta-feira, 4 de julho de 2014

PRECONCEITO

A Dra. Isabel Moreira, Deputada da Nação, tem vindo, nos últimos tempos, a mostrar como uma certa esquerda é preconceituosa com aqueles que não alinham pelas suas opiniões por mais simples ou fracturantes que elas sejam.
Há tempos, o Sr. Eng.º António Guterres, ex-Primeiro-Ministro de Portugal, exercendo, actualmente, as funções de Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, manifestou, embora sem muita convicção (ainda falta muito tempo!), a sua disponibilidade para se candidatar a novas funções políticas em Portugal: a de Presidente da República Portuguesa.
E o que afirmou a Dra. Isabel Moreira?
Considerou que o Sr. Eng.º António Guterres não é um candidato que possa ser apoiado pela esquerda.
Mas porquê?
Não porque seja incompetente ou incapaz (já mostrou as suas capacidades intelectuais e profissionais dentro e fora de portas) para exercer as funções presidenciais. Tem defeitos? Quem os não tem? Mas que defeitos são esses?
É simples. O Eng.º Guterres “fez um acordo com a direita” para o adiamento da despenalização do aborto e “é resistente aos direitos básicos dos homossexuais”, pelo que “uma pessoa de esquerda não pode apoiar Guterres”.
Se um Homem é visceralmente contra a pena de morte de outro Homem por causa das suas acções criminosas – uma vida não se paga com outra vida – também tem de ser contra o aborto. Que crime cometeu o nascituro? Se o mais empedernido dos criminosos não merece a pena de morte, um ser que ainda não viu a luz do dia merece ser torturado e morto?
Dizem que o nascituro não é um ser vivo, é uma amálgama de células sem forma. Sim? Então, porque tem alguns direitos, desde logo, por exemplo, o direito a uma herança?
Para a esquerda, em que se insere a citada Deputada da Nação, quem não tiver o mesmo pensamento é logo posta à margem. É uma outra forma de intolerância (a intolerância a quaisquer ideias de quaisquer outras pessoas) com base num preconceito que pode conduzir ao fanatismo, isto é, a uma visão maniqueísta do mundo (nós somos os bons e os outros são os maus).

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Perguntas sem resposta:
» Ser de esquerda é ser a favor do aborto? Só os de esquerda?
» Ser de direita é ser contra o aborto? Só os da direita?
» Ser de esquerda não é ser homofóbico? Será mesmo?
» Ser de direita é ser homofóbico? Será mesmo?


In Jornal de Matosinhos nº 1750, de 4 de Julho de 2014