Quando comentava a proposta do Orçamento do Estado para
2015, um deputado fez a costumeira crítica com alguma demagogia à mistura afirmando
que o IRS era um imposto sobre os trabalhadores (cito de cor).
Ora, não há qualquer imposto sobre os trabalhadores
enquanto tais.
Houve, num passado não muito distante, um Imposto, o
Imposto Profissional, que tributava exclusivamente os rendimentos do trabalho,
mas também não era um imposto sobre os trabalhadores!
A tributação sobre os rendimentos que, actualmente,
existe [e em substituição dos vários impostos sectoriais a que ainda acrescia o
imposto complementar] entrou em vigor, com a nova reforma fiscal dos finais dos
anos 80 do século passado, um imposto único sobre os rendimentos – o IRS – que
tributa os vários rendimentos sectoriais, incluindo os rendimentos provenientes
do trabalho, mas não tributa os trabalhadores enquanto tais.
Então, o que tributa o IRS?
O IRS está dividido em categorias de rendimentos:
1º - os rendimentos do trabalho dependente – os
rendimentos provenientes do trabalho por conta de outrém;
2º - os rendimentos empresariais e profissionais –
rendimentos de empresários que não se constituíram num dos diversos tipos de
sociedades e dos trabalhadores independentes (*);
3º - os rendimentos de capitais – como o seu nome
indica os rendimentos de aplicações das poupanças em título de natureza
mobiliária, como por exemplo, depósitos bancários (à ordem ou a prazo), acções
(os dividendos) e obrigações, que são os mais comuns.;
4º - os rendimentos prediais – as rendas dos
prédios urbanos (ou das suas fracções autónomas), dos prédios rústicos e dos
prédios mistos;
5º - os incrementos patrimoniais – entre outros, as
mais-valias na venda de património imobiliário e as indemnizações pelos danos
não patrimoniais;
6º - as pensões de reforma, de velhice, de
invalidez ou de sobrevivência e as de alimentos, incluindo as rendas temporárias
e vitalícias.
Pelo que se
vê, o IRS não é um imposto sobre os trabalhadores.
É um imposto sobre os rendimentos auferidos pelos
cidadãos, sejam ou não, trabalhadores por conta própria ou por conta de outrém,
ou simplesmente não trabalhem, vivendo de
rendimentos.
Poderá
discutir-se a justeza da tributação do
rendimento do trabalho e das pensões/reformas, mas isso é outra coisa.
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(*) Muitos dos
trabalhadores ditos “trabalhadores independentes” não são verdadeiramente
independentes. A nomenclatura “trabalhadores independentes” destinava-se,
originariamente, aos profissionais liberais.
Mas, em virtude de
sucessivas alterações à “tabela anexa” prevista no artigo 151º do CIRS quase
que todas as profissões podem ser consideradas, agora, como sendo profissões
liberais [os vigilantes, os guardas, as mulheres de limpeza, os trabalhadores
de escritório, de consultórios médicos, etc.].
De facto, em fraude
à lei, muitos desses trabalhadores labutam num local de trabalho certo e
determinado, obedecem a um horário rígido e respondem a um superior
hierárquico. Não são verdadeiros trabalhadores independentes. São aquilo a que
se convencionou chamar “falsos recibos
verdes” e nada se tem feito para acabar com eles o que é mau para a
economia nacional já que os trabalhadores precários nunca podem ter o mesmo
rendimento/produção que os demais trabalhadores por conta de outrém. Para esses
“trabalhadores por conta de outrém”
foi criada a rubrica “15 – Outras actividades exclusivamente de prestação de
serviços: 1519 – Outros prestadores de serviços”.
IN Jornal de Matosinhos nº 1766, de 24 de Outubro de 2014