Uma Lei, não exclusivamente portuguesa, dá autorização de residência a cidadãos
estrangeiros que invistam, nos respectivos países, as suas poupanças, e que, em
Portugal, é conhecida como “o visto dourado”.
Como se sabe, em Portugal não existe qualquer tipo de
corrupção (*). Tendo ficado muita gente admirada e, até, chocada, quando alguns
funcionários públicos de topo foram apanhados numa teia de “ofertas de vistos”
a cidadãos que, ao abrigo da lei vigente, queriam cá investir, tendo como
contrapartida autorização de residência e direito de circulação no Espaço Shenguen e, posteriormente, a
aquisição de nacionalidade, desde que reúnam as condições previstas na Lei (*).
Foi
sugerido, de imediato, por alguns que a Lei fosse revogada por várias razões:
1 – Discriminação
entre cidadãos com dinheiro e sem dinheiro – quem tem dinheiro para
investir entra facilmente em território nacional e quem não o tem, e que quer
apenas trabalhar, vê a sua vida dificultada, porque é recusada a sua entrada em
Portugal.
Assim é,
de facto! Com uma diferença. Quem vem cá investir traz capitais que irá animar
a economia e, com isso, criar postos de trabalho, directa e indirectamente. Por
exemplo, a compra de uma habitação implica a aquisição do trabalho (nacional) e
de materiais (nacionais) que lá estão incorporados. Trabalho de residentes.
Famílias que cá vivem e querem cá viver.
Quem vem
trabalhar irá engrossar a massa de desempregados, aumentando a oferta de
mão-de-obra, fazendo diminuir, ainda mais, os salários.
Não
será, certamente, por obra do acaso que países bem mais ricos que Portugal têm
vistos similares com vista à entrada de divisas, como por exemplo, a Suíça ou o
Canadá.
2 – Acabando-se
os vistos acaba-se a corrupção. A ser verdadeira esta afirmação, então,
acabemos com toda a burocracia em Portugal, desde a obtenção das cartas de
condução aos licenciamentos das construções, passando pelos registos dos
imóveis ou dos móveis sujeitos a registo, à justificação de faltas e as baixas
por doença, com atestados médicos, porquanto tudo é, potencialmente, gerador de
corrupção.
Se, de
facto, querem acabar com a corrupção em Portugal aprovem a Lei do Enriquecimento, e permitam que seja o cidadão a provar a
licitude da sua riqueza e não que sejam a Polícia a fazer prova do
enriquecimento do cidadão. Claro que será a inversão do ónus da prova, mas ela
já existe no sistema fiscal português e não foi declarada, ainda, a sua
inconstitucionalidade, nem, que se saiba, alguém requereu, até ao momento, a sua
inconstitucionalidade.
3 – Lavagem de
dinheiro. Em todas as sociedades humanas há sempre uma zona cinzenta de
actividade marginal, geradora, por vezes, de grandes riquezas. Para que não
seja fácil a sua “lavagem” há vários mecanismos legais e, no caso dos vistos gold há um conjunto de medidas,
desde logo a entrada de capitais deve ser efectuada através do sistema bancário,
afastando, a possibilidade de entradas de “dinheiro vivo”, esse sim de origem
duvidosa.
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(*) O “visto” é de residência temporária de um ano, sendo
renovada até cinco anos. Depois, pode requerer a nacionalidade portuguesa nos
termos gerais da aquisição da nacionalidade.
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Nota: no Direito Não-Penal,
vigora, em regra, o princípio segundo o qual cabe ao autor da acção a prova dos
factos constitutivos do seu direito. Por sua vez, cabe ao demandado a prova dos
factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor da acção.
Porém, nalguns casos, a lei atribui ao demandado a
responsabilidade de provar o erro das alegações do autor da acção – é o que se
chama a inversão do ónus da prova. Caberá, nestes casos, ao demandado provar
que não é verdadeiro o facto constitutivo do direito invocado pelo autor.
São conhecidos casos em que alguém, de um momento para o
outro, ostenta sinais exteriores de riqueza, sem que tenha sido herdeiro ou
ganho a lotaria ou o euro-milhões. Constituem o grupo dos que “quem cabritos
vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem”.
E que sinais serão esses? Por exemplo, a compra de casas
de alto valor de mercado, de automóveis topo de gama, viagens ao estrangeiro,
férias em resorts de luxo. Outras
vezes, os jornais publicam extractos de escrituras de divórcio em que, na
partilha dos bens do casal, são indicados valores altíssimos que o cidadão, em
toda a sua vida de trabalho, nunca auferiria.
Caberia, assim, ao cidadão provar junto de quem de
direito a origem da sua fortuna.
IN Jornal de Matosinhos nº 1771, de 28 de Novembro de
2014