sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O VISTO


Uma Lei, não exclusivamente portuguesa, dá autorização de residência a cidadãos estrangeiros que invistam, nos respectivos países, as suas poupanças, e que, em Portugal, é conhecida como “o visto dourado”.

Como se sabe, em Portugal não existe qualquer tipo de corrupção (*). Tendo ficado muita gente admirada e, até, chocada, quando alguns funcionários públicos de topo foram apanhados numa teia de “ofertas de vistos” a cidadãos que, ao abrigo da lei vigente, queriam cá investir, tendo como contrapartida autorização de residência e direito de circulação no Espaço Shenguen e, posteriormente, a aquisição de nacionalidade, desde que reúnam as condições previstas na Lei (*).

            Foi sugerido, de imediato, por alguns que a Lei fosse revogada por várias razões:

            1Discriminação entre cidadãos com dinheiro e sem dinheiro – quem tem dinheiro para investir entra facilmente em território nacional e quem não o tem, e que quer apenas trabalhar, vê a sua vida dificultada, porque é recusada a sua entrada em Portugal.

            Assim é, de facto! Com uma diferença. Quem vem cá investir traz capitais que irá animar a economia e, com isso, criar postos de trabalho, directa e indirectamente. Por exemplo, a compra de uma habitação implica a aquisição do trabalho (nacional) e de materiais (nacionais) que lá estão incorporados. Trabalho de residentes. Famílias que cá vivem e querem cá viver.

            Quem vem trabalhar irá engrossar a massa de desempregados, aumentando a oferta de mão-de-obra, fazendo diminuir, ainda mais, os salários.

            Não será, certamente, por obra do acaso que países bem mais ricos que Portugal têm vistos similares com vista à entrada de divisas, como por exemplo, a Suíça ou o Canadá.

            2Acabando-se os vistos acaba-se a corrupção. A ser verdadeira esta afirmação, então, acabemos com toda a burocracia em Portugal, desde a obtenção das cartas de condução aos licenciamentos das construções, passando pelos registos dos imóveis ou dos móveis sujeitos a registo, à justificação de faltas e as baixas por doença, com atestados médicos, porquanto tudo é, potencialmente, gerador de corrupção.

            Se, de facto, querem acabar com a corrupção em Portugal aprovem a Lei do Enriquecimento, e permitam que seja o cidadão a provar a licitude da sua riqueza e não que sejam a Polícia a fazer prova do enriquecimento do cidadão. Claro que será a inversão do ónus da prova, mas ela já existe no sistema fiscal português e não foi declarada, ainda, a sua inconstitucionalidade, nem, que se saiba, alguém requereu, até ao momento, a sua inconstitucionalidade.

            3Lavagem de dinheiro. Em todas as sociedades humanas há sempre uma zona cinzenta de actividade marginal, geradora, por vezes, de grandes riquezas. Para que não seja fácil a sua “lavagem” há vários mecanismos legais e, no caso dos vistos gold há um conjunto de medidas, desde logo a entrada de capitais deve ser efectuada através do sistema bancário, afastando, a possibilidade de entradas de “dinheiro vivo”, esse sim de origem duvidosa.

 

 

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(*) O “visto” é de residência temporária de um ano, sendo renovada até cinco anos. Depois, pode requerer a nacionalidade portuguesa nos termos gerais da aquisição da nacionalidade.

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Nota: no Direito Não-Penal, vigora, em regra, o princípio segundo o qual cabe ao autor da acção a prova dos factos constitutivos do seu direito. Por sua vez, cabe ao demandado a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor da acção.

Porém, nalguns casos, a lei atribui ao demandado a responsabilidade de provar o erro das alegações do autor da acção – é o que se chama a inversão do ónus da prova. Caberá, nestes casos, ao demandado provar que não é verdadeiro o facto constitutivo do direito invocado pelo autor.

São conhecidos casos em que alguém, de um momento para o outro, ostenta sinais exteriores de riqueza, sem que tenha sido herdeiro ou ganho a lotaria ou o euro-milhões. Constituem o grupo dos que “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem”.

E que sinais serão esses? Por exemplo, a compra de casas de alto valor de mercado, de automóveis topo de gama, viagens ao estrangeiro, férias em resorts de luxo. Outras vezes, os jornais publicam extractos de escrituras de divórcio em que, na partilha dos bens do casal, são indicados valores altíssimos que o cidadão, em toda a sua vida de trabalho, nunca auferiria.

Caberia, assim, ao cidadão provar junto de quem de direito a origem da sua fortuna.

 

IN Jornal de Matosinhos nº 1771, de 28 de Novembro de 2014

 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO


Segundo a Constituição da República Portuguesa, Portugal é uma República em que todo o Estado, no seu sentido mais amplo ao mais restrito – o Estado somos todos nós, longe dos tempos do “Estado sou Eu” –  deve obediência à Lei.

As Leis da República são inúmeras, muitas delas consideradas as mais avançadas do seu tempo, mas, não obstante tudo isso, será a República Portuguesa, realmente, um Estado de Direito?

Parece-me que não:

1 – A Lei proíbe a cobrança de alugueres dos contadores da água, da electricidade e do gás, seja a que título for. Porém, nas facturas dos prestadores dos serviços, consta a tarifa de disponibilidade que é uma forma de cobrar esse mesmo aluguer do contador que era uma forma de cobrar o consumo mínimo obrigatório que é, por Lei, proibido. Continua, portanto, a prática ilegal da cobrança do consumo mínimo obrigatório.

2 – Nas facturas da água consumida vêm os encargos com a utilização dos esgotos, normalmente uma percentagem sobre o consumo da água e que varia consoante o título do consumidor. As habitações têm uma taxa, os escritórios e os consultórios, outra, e os estabelecimentos comerciais, ainda, outra.

Na mesma factura, vem, ainda, a taxa pela recolha do lixo. Que varia, igualmente, consoante o título do consumidor, pagando o comércio e os escritórios mais que as habitações (*).

Que correlação existe entre o consumo de água e o lixo produzido?

3 – Um Parecer da Procuradoria-Geral da República é contra os obstáculos que muitas Câmaras Municipais vêm colocando na faixa de rodagem com a intenção da redução da velocidade dos automóveis. São obstáculos que surgem na via de circulação quando, segundo a legislação vigente, não pode haver obstáculos que impeçam a fluidez do tráfico automóvel (**).

Outras câmaras municipais, ao invés de rebaixarem os passeios a fim de melhorar as acessibilidades dos peões, os passeios atravessam a faixa de rodagem, com a sobrelevação da mesma, criando obstáculos aos automóveis (**).

4 – Para evitar a distracção dos automobilistas e, com isso, acidentes que, por vezes, podem ser graves, a Lei proíbe a colocação de painéis publicitários luminosos virados para as faixas de rodagem. Muitos deles estão de tal modo colocados que ficam frontais à visão dos condutores, cm perigo de encadeamento. Não obstante isso, um pouco por toda a República Portuguesa, estão colocados esses painéis publicitários, geradores de receita para os municípios.

5 – A Constituição consagra a separação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicial. Porém, isso não acontece em Portugal em toda a sua plenitude, porquanto órgãos administrativos praticam actos puros de natureza judicial sem que ninguém de direito levante um dedo. Em tempos idos, nos termos do Código de Processo das Contribuições e Impostos, segundo normas de um Estado Ditatorial, as autoridades administrativas tinham a seu cargo a execução das dívidas ao Estado, mas faziam-no enquanto “juízes auxiliares” e não enquanto autoridades administrativas, e dos seus actos havia recurso para o Tribunal das Contribuições e Impostos. Mas era uma “Lei Fascista”.

Hoje, em plena Democracia, na vigência de uma Constituição da República, das mais avançadas do seu tempo, uma autoridade administrativa, além de fixar os rendimentos, liquida os tributos (competência própria da administração) ainda cobra as dívidas. E, para tal, penhora os bens do devedor (acto judicial), procede à venda dos bens (acto judicial), gradua os créditos (acto judicial). Se houver reclamações para os Tribunais Administrativos e Fiscais, estes pronunciar-se-ão apenas a final, quando tudo estiver concluído (os bens já vendidos e o produto da venda distribuído).

No “antigamente”, na vigência dos Tribunais das Contribuições e Impostos, os Tribunais não tinham alçada e, como tal, de todas as decisões judiciais poderia haver recurso. E as custas devidas, pagas após em trânsito em julgado da decisão final, eram modestas, perfeitamente suportáveis para qualquer bolso. Com a passagem ao Tribunais Administrativos e Fiscais, passou a haver alçada e as custas são pagas “à cabeça” e são elevadíssimas, afastando das lides os financeiramente mais modestos (***).

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(*) Segundo o ordenamento jurídico português, as taxas existem como pagamento por um serviço concreto que foi prestado. Existe uma correspondência directa entre o pagamento do serviço e a prestação desse mesmo serviço. É como comprar um bilhete num transporte: o preço corresponde directamente ao transporte. Como o selo do correio numa carta. Mas nas taxas municipais esse nexo sinalagmático não existe. Paga-se porque … “sim”. Pronto.

(**) O tráfego automóvel não é apenas a circulação das viaturas automóveis em passeio. Há quem circule porque precisa de trabalhar. E, além disso, há viaturas que, por vezes, têm de circular a alta velocidade para salvar vidas e bens – as viaturas do INEM e as dos Bombeiros, incluindo as Ambulâncias.

Há muitas maneiras de reduzir a velocidade dos automóveis, e a melhor, com certeza, não será criar obstáculos na via e, muitas delas, nas proximidades das entradas das urgências hospitalares.

(***) Apesar de, no “antigamente”, se viver em ditadura, havia mais respeito pelo cidadão pagador de impostos. Além dos impostos, das taxas e das multas serem mais moderados, o cidadão tinha mais direitos, que foram reforçados depois, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária e do Código de Processo e Procedimento Tributário, mas, aos poucos, face às sucessivas alterações legislativas, o cidadão está, praticamente, indefeso perante o Estado Todo-Poderoso.

Hoje, uma dívida de poucos euros pode transformar-se em vários milhares. As coimas atingem facilmente valores perto do salário mínimo (um verdadeiro esbulho). Chegou-se ao cúmulo da utilização de uma máquina administrativa estatal ao serviço de entidades privadas (caso da cobrança das portagens). Estranho que, em sede própria, no Parlamento, ninguém proteste!

 

IN Jornal de Matosinhos nº 1770, de 21 de Novembro de 2014

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A ACTA


De todas as reuniões realizadas, das sociedades às associações, passando pelos condomínios e pelo Estado (no seu sentido mais amplo), é obrigatório lavrar-se um documento que, de modo ainda que sucinto, transcreva o que se passou nas citadas reuniões. Esse documento, de importância fulcral, é a acta.

E para que serve?

A importância do teor de uma acta, porque é um documento para memória futura, é enorme. Se os presentes, não obstante terem estado presentes, muitas vezes fazem confusão com o que se passou, imagine-se o que será para aqueles que não estiveram presentes e querem saber o que realmente se passou.

Se nesse documento nada se disser, os ausentes não saberão o que se passou nem, num futuro mais ou menos próximo, os presentes dirão, com clareza, tudo quanto se passou. Daí a importância de uma acta bem redigida, pelo que se devem evitar adjectivar os comportamentos de alguém ou situações de facto, e não mencionar apenas as conclusões.

Havendo várias questões em concreto em discussão não será correcto, por exemplo, escrever-se em acta que, depois de debatidas as questões e de prestados os esclarecimentos, as mesmas foram aprovados por maioria ou por unanimidade.

Mas quais questões ou esclarecimentos?

Algumas actas, por vezes extensas, com várias folhas de papel, são elaboradas de tal modo que os ausentes não ficam a saber minimamente o que se passou. Nada é dito em concreto.

Claro que, quando isso acontece é porque existe algum interesse do redactor em ocultar algo que, num futuro mais ou menos próximo, lhe possa ser prejudicial. É que nada se escrevendo, e como “palavras leva-as o vento”, ninguém se recordará do que se passou, e mesmo que alguém se recorde, fica sempre a dúvida por esclarecer. Foi isso o que realmente se disse e se aprovou? Ou seria uma outra versão um tudo-nada diferente? E é bom não esquecer que uma simples vírgula fora do sítio muda totalmente o sentido de uma frase.

Suponha o caro leitor que, das contas da sua associação, previamente distribuídas com a convocatória, não consta uma dívida a terceiros. E, no debate das contas nada foi dito, mas que da acta fica a constar que existe, afinal, uma dívida a terceiros de montante significativo.

De onde surgiu a dívida que não existia numa dada altura – a da distribuição das contas pelos associados e juntas à convocatória – mas que, como que surgindo do nada, passam a constar do documento final, sem que tivesse sido sequer abordada na assembleia, porque nada consta da acta.

Quem esteve na assembleia sabe o que se passou. Mas quem não esteve? E, num futuro, mais ou menos próximo, alguém se lembrará de fazer a história da associação e encontra a ocultação da dívida a terceiros num documento, com uma data, mas que existe noutro, em data posterior? O que pensará o historiador?

Suponha, ainda o leitor, que um funcionário da sua associação fez o “furto de uso” de uma viatura automóvel e que o caso foi debatido na assembleia e que o funcionário em causa obrigou-se, perante a assembleia, a indemnizar a associação com uma verba aprovada. Mas, sobre este assunto, nada consta da acta. Lembrar-se-á alguém, tempos depois, do montante concreto da indemnização?

Ninguém repara, ou se repara nada diz, e, no futuro, haverá mais um litígio em que as associações, e não só, são férteis!

 

IN Jornal de Matosinhos nº 1769, de 14 de Novembro de 2014

 

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

DESPESA PÚBLICA


1 - A DESPESA PÚBLICA

 

Em Portugal, a dívida pública não pára de aumentar, não obstante o esforço feito na satisfação dos compromissos assumidos.

A evolução da dívida:

 

 
 
30/06/2009
 
 
30/06/2010
 
30/06/2011
 
30/06/2012
 
30/06/2013
 
30/06/2014
Em Euros
129.704,41
140.245,11
150.639,51
129.855,42
137.972,73
134.438,56
Em Não Euros
397,71
2.368,92
1.913,07
1.812,27
1.545,86
1.268,24
Total
130.102,12
142.614,03
152.552,58
131.667,69
139.518,59
135.706,80
Troika
0,00
0,00
19.841,00
55.391,12
67.129,03
77.195,38
Total Geral
130.102,12
142.614,03
172.393,58
187.058,81
206.647,62
212.902,18

 

Fonte: IGFCP

 

2 – O ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2015

 

Por consciência cívica, assisti ao debate da discussão na generalidade do Orçamento do Estado para 2015.

No âmbito da receita – cobrança dos impostos e taxas – o debate foi aceso, porque, efectivamente, a nossa carga fiscal é elevada.

No âmbito da despesa – a outra vertente do Orçamento do Estado – só ouvi propostas, por parte da Oposição, no sentido de a aumentar cada vez mais: desde a reposição dos cortes nos salários e pensões, ao aumento das verbas consignadas para a Educação e Saúde e para a Segurança Social.

Se o nosso mal é a diferença entre o que se cobra e o que se gasta – daí o saldo ser constantemente negativo, sendo a diferença coberta com a contratação de empréstimos (*) – não ouvi uma única palavra sobre a diminuição da despesa. Antes pelo contrário!

Enquanto se não pensar a sério em diminuir a despesa, Portugal nunca conseguirá sair do imbróglio em que está metido.

 

3 – O I.R.C.

 

Falou-se muito na baixa do IRC. Na verdade, a baixa de 2 pontos percentuais nas pequenas sociedades em nada significa. Se, realmente, querem baixar os impostos às pequenas empresas acabem com o “Pagamento Especial por Conta”, no mínimo de 1.000,00 euros anuais, quer tenha ou não lucros e, no caso de haver lucros, independentemente do seu montante, constituindo, assim, uma espécie de imposto geral mínimo pela existência de uma sociedade.

Será uma sub-espécie de tributação fascista que existia em África?

Este pagamento especial por conta foi criado, provisoriamente, pela Senhora Ministra Dra. Ferreira Leite e tem atravessado os sucessivos governos desde então!!

 

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(*) o economês de Portugal é muito interessante:

» o crescimento é negativo – como se pudesse “crescer para baixo”

» já não se contraem empréstimos – vende-se dívida

 

 

IN Jornal de Matosinhos nº 1768, de 7 de Novembro de 2014