quinta-feira, 20 de novembro de 2014

ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO


Segundo a Constituição da República Portuguesa, Portugal é uma República em que todo o Estado, no seu sentido mais amplo ao mais restrito – o Estado somos todos nós, longe dos tempos do “Estado sou Eu” –  deve obediência à Lei.

As Leis da República são inúmeras, muitas delas consideradas as mais avançadas do seu tempo, mas, não obstante tudo isso, será a República Portuguesa, realmente, um Estado de Direito?

Parece-me que não:

1 – A Lei proíbe a cobrança de alugueres dos contadores da água, da electricidade e do gás, seja a que título for. Porém, nas facturas dos prestadores dos serviços, consta a tarifa de disponibilidade que é uma forma de cobrar esse mesmo aluguer do contador que era uma forma de cobrar o consumo mínimo obrigatório que é, por Lei, proibido. Continua, portanto, a prática ilegal da cobrança do consumo mínimo obrigatório.

2 – Nas facturas da água consumida vêm os encargos com a utilização dos esgotos, normalmente uma percentagem sobre o consumo da água e que varia consoante o título do consumidor. As habitações têm uma taxa, os escritórios e os consultórios, outra, e os estabelecimentos comerciais, ainda, outra.

Na mesma factura, vem, ainda, a taxa pela recolha do lixo. Que varia, igualmente, consoante o título do consumidor, pagando o comércio e os escritórios mais que as habitações (*).

Que correlação existe entre o consumo de água e o lixo produzido?

3 – Um Parecer da Procuradoria-Geral da República é contra os obstáculos que muitas Câmaras Municipais vêm colocando na faixa de rodagem com a intenção da redução da velocidade dos automóveis. São obstáculos que surgem na via de circulação quando, segundo a legislação vigente, não pode haver obstáculos que impeçam a fluidez do tráfico automóvel (**).

Outras câmaras municipais, ao invés de rebaixarem os passeios a fim de melhorar as acessibilidades dos peões, os passeios atravessam a faixa de rodagem, com a sobrelevação da mesma, criando obstáculos aos automóveis (**).

4 – Para evitar a distracção dos automobilistas e, com isso, acidentes que, por vezes, podem ser graves, a Lei proíbe a colocação de painéis publicitários luminosos virados para as faixas de rodagem. Muitos deles estão de tal modo colocados que ficam frontais à visão dos condutores, cm perigo de encadeamento. Não obstante isso, um pouco por toda a República Portuguesa, estão colocados esses painéis publicitários, geradores de receita para os municípios.

5 – A Constituição consagra a separação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicial. Porém, isso não acontece em Portugal em toda a sua plenitude, porquanto órgãos administrativos praticam actos puros de natureza judicial sem que ninguém de direito levante um dedo. Em tempos idos, nos termos do Código de Processo das Contribuições e Impostos, segundo normas de um Estado Ditatorial, as autoridades administrativas tinham a seu cargo a execução das dívidas ao Estado, mas faziam-no enquanto “juízes auxiliares” e não enquanto autoridades administrativas, e dos seus actos havia recurso para o Tribunal das Contribuições e Impostos. Mas era uma “Lei Fascista”.

Hoje, em plena Democracia, na vigência de uma Constituição da República, das mais avançadas do seu tempo, uma autoridade administrativa, além de fixar os rendimentos, liquida os tributos (competência própria da administração) ainda cobra as dívidas. E, para tal, penhora os bens do devedor (acto judicial), procede à venda dos bens (acto judicial), gradua os créditos (acto judicial). Se houver reclamações para os Tribunais Administrativos e Fiscais, estes pronunciar-se-ão apenas a final, quando tudo estiver concluído (os bens já vendidos e o produto da venda distribuído).

No “antigamente”, na vigência dos Tribunais das Contribuições e Impostos, os Tribunais não tinham alçada e, como tal, de todas as decisões judiciais poderia haver recurso. E as custas devidas, pagas após em trânsito em julgado da decisão final, eram modestas, perfeitamente suportáveis para qualquer bolso. Com a passagem ao Tribunais Administrativos e Fiscais, passou a haver alçada e as custas são pagas “à cabeça” e são elevadíssimas, afastando das lides os financeiramente mais modestos (***).

_________________________________________________________________________

(*) Segundo o ordenamento jurídico português, as taxas existem como pagamento por um serviço concreto que foi prestado. Existe uma correspondência directa entre o pagamento do serviço e a prestação desse mesmo serviço. É como comprar um bilhete num transporte: o preço corresponde directamente ao transporte. Como o selo do correio numa carta. Mas nas taxas municipais esse nexo sinalagmático não existe. Paga-se porque … “sim”. Pronto.

(**) O tráfego automóvel não é apenas a circulação das viaturas automóveis em passeio. Há quem circule porque precisa de trabalhar. E, além disso, há viaturas que, por vezes, têm de circular a alta velocidade para salvar vidas e bens – as viaturas do INEM e as dos Bombeiros, incluindo as Ambulâncias.

Há muitas maneiras de reduzir a velocidade dos automóveis, e a melhor, com certeza, não será criar obstáculos na via e, muitas delas, nas proximidades das entradas das urgências hospitalares.

(***) Apesar de, no “antigamente”, se viver em ditadura, havia mais respeito pelo cidadão pagador de impostos. Além dos impostos, das taxas e das multas serem mais moderados, o cidadão tinha mais direitos, que foram reforçados depois, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária e do Código de Processo e Procedimento Tributário, mas, aos poucos, face às sucessivas alterações legislativas, o cidadão está, praticamente, indefeso perante o Estado Todo-Poderoso.

Hoje, uma dívida de poucos euros pode transformar-se em vários milhares. As coimas atingem facilmente valores perto do salário mínimo (um verdadeiro esbulho). Chegou-se ao cúmulo da utilização de uma máquina administrativa estatal ao serviço de entidades privadas (caso da cobrança das portagens). Estranho que, em sede própria, no Parlamento, ninguém proteste!

 

IN Jornal de Matosinhos nº 1770, de 21 de Novembro de 2014

Sem comentários:

Enviar um comentário