sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O NOVO CÓDIGO DA ESTRADA

Com a entrada em vigor, no próximo dia 1 de Janeiro de 2014, das profundas alterações introduzidas pela Lei nº 72/2013, de 3 de Setembro, no Código da Estrada, bem pode dizer-se que se trata de um Novo Código da Estrada.
São alterados 62 (!) artigos e aditados 5 (!).
Não podendo deixar de chamar a atenção para três normas:
1.   Da alínea bb) do artigo 1º:
Zona de coexistência” – zona da via pública especialmente concebida para a utilização partilhada por peões e veículos, onde vigoram regras especiais de trânsito e sinalizada como tal.
Nesta zona de coexistência, prevista no aditado artigo 78º-A, a velocidade máxima será de 20 Km/hora para todas as viaturas automóveis.
2.   Do nº 3 do artigo 5º:
Não podem ser colocadas nas vias públicas ou nas suas proximidades quadros, painéis, anúncios, cartazes, focos luminosos, inscrições ou outros meios de publicidade que possam:
a)     Confundir-se com os sinais de trânsito ou prejudicar a sua visibilidade ou reconhecimento;
b)    Prejudicar a visibilidade nas curvas, cruzamentos ou entroncamentos;
c)     Perturbar a atenção do condutor, prejudicando a segurança da condução;
d)    Dificultar, restringir ou comprometer a comodidade e segurança da circulação de peões nos passeios.”
Veremos se serão removidos os painéis publicitários montados na saída de Matosinhos, pelo IP4, e na Via Panorâmica, perto da Faculdade de Letras, no Porto, entre outros.
3.   O aditado artigo 14º-A, sobre o trânsito nas rotundas, reza:
“1 – Nas rotundas, o condutor deve ado(p)tar o seguinte comportamento:
a)     Entrar na rotunda após ceder a passagem aos veículos que nela circulam, qualquer que seja a via por onde o façam;
b)    Se pretender sair da rotunda na primeira via de saída, deve ocupar a via da direita;
c)     Se pretender sair da rotunda por qualquer das outras vias de saída, só deve ocupar a via de trânsito mais à direita após passar a via de saída imediatamente anterior àquela por onde pretende sair, aproximando-se progressivamente desta e mudando de via depois de tomadas as devidas precauções;
d)    Sem prejuízo do disposto nas alíneas anteriores, os condutores devem utilizar a via de trânsito mais conveniente ao seu destino.
2 – Os condutores de veículos de tra(c)ção animal ou de animais, de velocípedes e de automóveis pesados, podem ocupar a via de trânsito mais à direita, sem prejuízo de facultar a saída aos condutores que circulem nos termos da alínea c) do nº 1.
3 – Quem infringir o disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 1 e no nº 2 é sancionado com coima de € 60 a € 300.”
Em Matosinhos, em algumas rotundas (na Praça Guilhermina Sugia, e no cruzamento da Av. D. Afonso Henriques com a Avenida da República e e no entroncamento da Av. D. Afonso Henriques com a Av. Menéres e Av. Villagarcia de Arosa) vai ser praticamente impossível cumprir as novas regras porquanto a via mais à direita encontra-se ocupada por viaturas estacionadas ilegalmente (é proibido o estacionamento nas rotundas, como todos sabemos).

In Jornal de Matosinhos, nº 1723, de 27 de Dezembro de 2013


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

INCONSTITUCIONALIDADES

1. A taxa cobrada pelo aluguer dos contadores ou com um qualquer outro título, para além de ser proibida por Lei, afigura-se mais como uma cobrança do consumo mínimo obrigatório, o que também é proibido por Lei. Consuma ou não consuma paga sempre uma “taxa de disponibilidade” ou outra qualquer com o mesmo objectivo. Há sempre um mínimo a pagar.
Temos muitas entidades a cobrar ilegalmente a taxa de disponibilidade /consumo mínimo com o beneplácito das forças políticas tão céleres a requererem ao Tribunal Constitucional a declaração da inconstitucionalidade de normas sejam elas quais forem. Mas NUNCA estas? Porque será?
2. Em Portugal, vigora o princípio da separação de poderes, pedra de toque de um verdadeiro Estado de Direito.
Porém, há um poder – o poder executivo – que tem vindo a ser autorizado, ao longo dos últimos anos, por um outro poder – o Legislativo – a ter poderes jurisdicionais (*).
Nos termos da Lei, alguns serviços da Administração Pública estão a exercer funções jurisdicionais sem que ninguém, mesmo ninguém, levante o problema da inconstitucionalidade dessas normas. Nem os Deputados da Nação, nem os Partidos Políticos, nem os verdadeiros Órgãos Jurisdicionais!
Nem ao Diabo lembraria que um agente administrativo possa fixar a matéria colectável, calcule o imposto, notifique para pagar, decide sobre as reclamações, e, em caso de não pagamento, execute a dívida, penhora os bens, vende esses mesmos bens como se fosse uma venda judicial, ainda que haja uma enorme desproporção entre o valor do bem e a dívida, e, finalmente, decide dos créditos reclamados! Tudo sob o olhar atento de todas as forças políticas, sem excepção, e dos Agentes Judiciários.
         3. Impostos e taxas são, comummente confundidos, porquanto ambos são prestações pecuniárias coactivas e unilaterais a favor de um ente público. A grande distinção é saber se existe, ou não, qualquer contrapartida, qualquer nexo sinalagmático entre o que se paga e o que se recebe em troca. Se não houver qualquer sinalagma funcional estamos perante um imposto. E perante uma taxa em caso contrário.
         Ora, os municípios portugueses cobram inúmeros impostos travestidos de taxas, sem qualquer base legal, porquanto apenas a Assembleia da República pode lançar impostos.
Que contrapartidas os municípios prestam aos cidadãos pela cobrança, por exemplo, das seguintes taxas que cobram?
» Pela recolha do lixo – o que tem a ver o maior ou menor consumo de água com a produção de lixo? Um escritório produz mais lixo que uma habitação? Então porque pagam mais?
» Pela venda ambulante de lotarias – que serviço concreto presta um município a um vendedor de lotarias? Ou a um arrumador de automóveis? Ou a quem realiza um leilão? Ou a quem coloca no interior do seu estabelecimento mensagens publicitárias  (“saldos”, “liquidação total”, “rebaixas”, etc.?) Ou a quem monta toldos nos estabelecimentos comerciais e em propriedade privada? Ou a quem instale reclames luminosos nas propriedades privadas? Ou a quem publicite o seu negócio na sua viatura automóvel privada? Ou a quem capte, profissionalmente, imagens do património paisagístico?
» O que tem o ver o gasto de água nas suas habitações, escritórios, estabelecimentos comerciais com a rega dos jardins públicos?
» Porque tem um turista de pagar uma taxa, por muito simbólica que seja, pela sua pernoita num estabelecimento hoteleiro? Não vem ele animar o comércio local, contribuindo para o lucro das diversas empresas a que o município vai cobrar, posteriormente, a respectiva derrama? E o mesmo se alcança com as taxas cobradas pelos passeios turísticos de barco ou de autocarro!
Assim, urge perguntar: para que se pagam, então, os impostos municipais (o IMI e o IMT) e as derramas municipais?
As verbas arrecadadas por essa via são insuficientes?
Nos últimos anos, os municípios portugueses habituaram-se a gastar “este mundo e o outro” razão pela qual as verbas nunca lhes chegam. As despesas são cada vez mais! Porquê?

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No tempo da outra senhora, essas autoridades administrativas agiam como juízes auxiliares e não tinham os poderes jurisdicionais que hoje têm! Basta ler-se com alguma atenção o abolido Código de Processo das Contribuições e Impostos que vigorou até à vigência do Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, e as constantes alterações ao actual regime que, aos poucos, vem retirando os direitos de todos nós!

In Jornal de Matosinhos nº 1722, de 20 de Dezembro de 2013


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

LEGISLAÇÃO ELEITORAL AUTÁRQUICA

A legislação que regula as eleições para os Governos Autárquicos deve ser reformulada de modo a que a governação seja mais transparente e o controlo da actuação dos eleitos locais mais eficaz.
Actualmente, aquando da realização das eleições autárquicas, há três listas: uma, para a Câmara Municipal, outra, para a Assembleia Municipal, e outra, para Junta de Freguesia.
Eleito o Presidente da Câmara, este vai governar com um governo constituído pelos vereadores das diversas listas em escolha popular. O Governo Local será heterogéneo, com a oposição dentro do próprio Governo. Não faz qualquer sentido.
A Assembleia Municipal é constituída pelos eleitos das diversas forças em jogo a que acrescem, por inerência de funções, os Presidentes de Junta de Freguesia. Uma verdadeira aberração em democracia.
No âmbito do direito a constituir, deveria haver apenas uma única lista – para a constituição da Assembleia Municipal – e da lista mais votada sairia um Governo Municipal, monocolor, sendo os vereadores da escolha pessoal do presidente da Câmara. A vereação seria, à semelhança do Governo da República, da responsabilidade pessoal do Presidente da Câmara e este responderia perante a Assembleia Municipal.
A Assembleia Municipal, constituída apenas pelos eleitos pelo Povo – não haveria membros da assembleia por inerência de funções – reunir-se-ia no mínimo uma vez por semana, e teria os poderes acrescidos para uma verdadeira fiscalização dos actos do Governo Municipal, tal como a Assembleia da República fiscaliza o Governo da República. De entre eles, avultariam os poderes de:
- Votar o programa do Município;
- Votar moções de confiança e de censura ao Presidente da Câmara.
Neste momento, a democracia local não passa de um arremedo de  democracia, em que o Povo, uma vez depositado o voto nas urnas, não tem qualquer conhecimento do que se passa dentro das paredes do domus municipalis. Apenas sabe o que vem a público na comunicação social.
A menos que se considere democracia a realização de eleições periódicas. E somente isso não basta para caracterizar um Estado como democrático, porquanto, nas democracias musculadas ou nas democracias de partido único, também se realizam eleições periódicas e com elevadíssima adesão popular!
No que respeita ao Governo da República, todos temos acesso ao Orçamento do Estado, que é profusamente debatido na imprensa e, uma vez aprovado pelos Deputados, é publicado no Diário da República, ficando todos a saber, rubrica a rubrica e verba a verba, onde se consome o dinheiro dos impostos e dos empréstimos.
Há acesso às contas Gerais do Estado, sabendo onde foi gasto o nosso dinheiro e se a dotação das diversas rubricas foi, ou não, suficiente. Escrutinamos as contas da Presidência da República, comparando-a com a Casa Real de Espanha ou com a Casa de Windsor. Acedemos aos relatórios das diversas instituições de controlo da acção do Governo da República e das Regiões Autónomas. E tudo isso ao alcance de um simples click do rato do nosso computador.
E sobre as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia? Nada se sabe. Consultando os sítios respectivos nada se fica a saber. Tudo é oculto. Tudo é um mistério. Não sabemos as receitas previstas receber e as efectivamente recebidas. Não sabemos as verbas previstas gastar e as efectivamente gastas.
Nada sabemos sobre as dívidas de cada uma das Autarquias Locais, mas conhecemos ao pormenor as dívidas dos Hospitais, do Metropolitano de Lisboa, do Metro do Porto, dos STCP, da Carris, da Transtejo, da CP, da TAP, da RTP, etc., etc.
E, depois ficamos siderados quando sabemos, pela Comunicação Social, que uma dada freguesia fez, em 2005, uma despesa em fogo-de-artifício superior ao seu orçamento anual e que ainda não pagou porque não tem meios financeiros para isso.
Por onde anda, então, o princípio básico Republicano: a transparência da movimentação das contas públicas? O dinheiro dos impostos pagos pelos cidadãos, porque fruto do seu suor, deixou de ser sagrado?


In Jornal de Matosinhos, nº 1721, de 13/12/2013

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

SUBSÍDIO DE REINTEGRAÇÃO

Veio, recentemente, a público uma notícia segundo a qual um grupo de ex-autarcas requereu, e vai receber, o subsídio de reintegração nos precisos termos da Lei 29/87, de 30 de Junho, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 52-A/2005, de 10 de Outubro, e a que terão direito pelo regime transitório previsto no artigo 8º da Lei 52-A/2005.
Segundo a filosofia subjacente à legislação, esse subsídio de reintegração visava compensar os senhores autarcas pelos prejuízos tidos no reingresso à sua vida activa uma vez cessadas as funções políticas para que foram eleitos.
Neste ponto convém realçar várias situações:
1.       Se o eleito for funcionário por conta de outrém (no serviço público ou no serviço privado) não terá quaisquer problemas na sua reintegração, uma vez que regressa aos quadros de onde proveio;
2.       Mas já assim, não será se, anteriormente, exercia funções privadas por conta própria, no exercício de uma actividade liberal, como arquitecto, advogado, engenheiro, etc., etc.. Aqui, sim, durante o exercício do seu múnus público perderia clientela, pelo que o subsídio de reintegração era um modo de o compensar pela perda de clientes.
Agora, conceder esse subsídio de reintegração a aposentados, àqueles que, por definição de conceitos, já não estão no mercado de trabalho, razão pela qual não terão quaisquer problemas na sua reintegração, é inaceitável!
E ainda mais com a argumentação dos próprios visados! Para uns, é legal a concessão desse subsídio de reintegração. Para outros, tratar-se-á de uma compensação pelo intenso labor no exercício de uma actividade pública.
Legal, será, mas não deixa de ser imoral. À luz da legalidade, ao longo dos séculos, cometeram-se os mais hediondos crimes contra a humanidade. Desde a escravatura (era legal, lembram-se?) à segregação racial ou religiosa (ao tempo também legais) à pena de morte (ainda legal em muitos países). (*)
Como compensação dos bons serviços prestados! Mas não foram remunerados para isso mesmo, para trabalharem? Por terem feito bem as contas? Mas não era isso que deles se esperava? Que cumprissem “fielmente as funções que lhes foram confiadas”?
Todos os autarcas, direi quase sem excepção, dizem que exercem as suas funções em prol da sociedade, em prol do Povo que juram servir. Então, porque não exercem essas funções graciosamente, em regime de voluntariado?
Não deixa de ser chocante que, numa época de crise financeira, com cortes nas pensões e nos subsídios, um grupo de autarcas (aposentados!) receba um subsídio de reintegração!
Onde estão, então, os ideais republicanos do serviço público? Do servir a Nação?
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(*) Lembrar-se-ão dos argumentos dos carrascos do regime nazi em sua defesa: limitavam-se a cumprir a lei!

In Jornal de Matosinhos, nº 1720, de 6 de Dezembro de 2013