sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

PENSÕES

É habitual algumas pessoas queixarem-se que as suas pensões de reforma são baixas, que mal dão para viver, o que é, infelizmente, verdade.
De facto, inúmeras pensões de reforma não ultrapassam o salário mínimo nacional, pelo que convém interrogarmo-nos sobre as verdadeiras razões para que tal aconteça?
As pensões de reforma, quer do sector público quer do sector privado, dependem do número de anos de trabalho e do montante das contribuições ao longo da vida activa de cada trabalhador.
Na Função Pública, porque os pagamentos das remunerações são feitos directamente para a conta bancária do funcionário, não há hipóteses de fuga à Segurança Social. A totalidade dos descontos sobre os 14 salários anuais vai direitinha para a Segurança Social.
No sector Privado já tal não acontece. Inúmeros trabalhadores, porque à entidade patronal também convém, aceitam receber por baixo da mesa verbas, por vezes avultadas, sobre as quais não incide nenhum desconto, quer para o IRS quer para a Segurança Social.
Claro que, durante a vida activa do trabalhador, as remunerações, assim auferidas, são muito superiores ao que seriam se fossem sujeitas aos descontos legais (IRS e SS) o que é manifestamente agradável.
O pior é que, na velhice, já no fim da vida, quando começam a faltar as forças para desenvolver uma qualquer actividade, a pensão mal dá para viver.
Mas tudo isso foi fruto do pensar apenas no “hoje” e nunca no “amanhã”.

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A MULTA

Os leitores mais atentos às coisas do futebol já devem ter conhecimento da recente condenação da SAD do Futebol Clube do Porto a uma multa de quase 400,00 euros por um “ligeiro” atraso na entrada em campo no início de um jogo de futebol que deveria ter iniciado a uma hora previamente determinada.
Muitos protestaram, achando uma injustiça o pagamento daquela multa por um ligeiro atraso na entrada em campo.
Pois.
Atrase-se o leitor ligeiramente na entrega de um qualquer documento ou um pagamento de um imposto ou contribuição ao Estado ou à Segurança Social e vai logo saber em quanto a sua carteira vai ficar aliviada.
A um clube de futebol, que movimenta milhões, pagar uma multa de 400,00 euros é uma simples cócegas na carteira. Mas a um cidadão, pagar, por exemplo, 100 euros, representa, para a maioria dos Portugueses, cerca de uma semana de trabalho.
Mas isso ninguém vê ou quer ver.


in Jornal de Matosinhos nº 1732, de 28 de Fevereiro de 2014


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

TRAIÇÕES ( II )

Todo o ser humano, ao atingir uma determinada posição, entra em contradições com os feitos anteriores porque se esquece facilmente do que disse e do que fez há muito (às vezes pouco) tempo, e quando confrontado com os factos ocorridos, quer no presente quer no passado, tenta justificá-los: os outros é que estão errados! Ele nunca!!
Alguns membros de associações às quais estão vinculados, não apenas por serem seus associados, até mesmo por serem seus fundadores, deveriam defender os interesses da sua associação mas, ao fim de algum tempo, face ao novo contexto social, passam a defender ideias contrárias às que estão obrigados pelos respectivos estatutos.
A título meramente exemplificativo: um membro de uma associação de direitos humanos, em que, por definição, está proibida a pena de morte, não poderá vir a terreiro defendê-la em certos contextos. Ou é contra a pena de morte ou não é. Não há justificação possível. Ou, naquele caso mais mediático, em que um membro de uma associação cívico-política concorreu, nas eleições, numa lista concorrente à associação de que é membro efectivo.
Perante estas contradições que fazer?
Qualquer associação elenca, nos estatutos, os respectivos objectivos e os meios para os atingir. Nos mesmos estatutos também constam normas disciplinadoras da actuação dos respectivos membros, para que a vida associativa se não transforme num caos. Que fazer, então?
Desde logo o levantamento de um processo disciplinar, com vista à determinação das responsabilidades administrativas (que não penais) pelo que as garantias de defesa não são tão fortes quanto as desta, desde logo porque não é obrigatória a constituição de advogado.
O demandado é notificado para, no prazo estatutário, apresentar a sua defesa, querendo, no prazo que for fixado, obedecendo aos mais elementares princípios de defesa:
» Princípio da legalidade – não há infracção se a mesma não estiver prevista no regulamento disciplinar ou nos estatutos da associação à data da prática dos factos e sem que esteja prevista a respectiva sanção; radica no brocardo latino de “nulla poena sine lege ante”;
» Princípio do contraditório – garante a plena igualdade de oportunidades processuais das partes (as mesmas “armas”) – autor e acusado – garantindo a defesa deste, que apresentará as testemunhas a serem inquiridas e arrolará os documentos que entender;
» Princípio da presunção de inocência – todos são considerados inocentes, e assim devem ser tratados, até que haja uma decisão irrecorrível que o declare culpado. É uma garantia individual, cabendo ao acusador demonstrar, no processo, que não há causas que excluam ou isentem o acusado da sanção;
» Princípio da dignidade da pessoa humana – o acusado tem o direito de ser julgado conforme a lei, de forma justa, podendo provar, contrapor, alegar, defender-se de forma ampla, garantindo que não seja um mero espectador do seu próprio julgamento, não permitindo que o processo seja inquisitivo;
» Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade – visa a protecção do acusado contra o arbítrio do autor, restringindo o exercício do poder, desejando-se que os actos do autor estejam impregnados do valor da justiça, para não ser um ajuste de contas;
» Princípio da igualdade ou isonomia – o autor não pode estabelecer privilégios ou discriminações seja em que circunstância for, devendo tratar equitativamente todos os membros da associação – para um mesmo comportamento a mesma sanção;
» Princípio da publicidade – todas as acções serão públicas e as decisões fundamentadas.
Ora, se nos estatutos de uma associação cívica está prevista a pena de expulsão de um membro que pratique uma falta grave e se o conceito de falta grave está igualmente prevista nos estatutos nada mais resta à associação cívica, seja ela qual for, que não seja a expulsão do respectivo membro, fazendo aplicar os estatutos.
Uma coisa é, no momento de exercer o seu direito, votar contra a associação de que é membro, votando noutro concorrente – o voto é secreto e ninguém saberá o sentido do voto do associado eleitor. Coisa bem diferente é constituir ou integrar uma lista concorrente à associação de que é membro efectivo, votando e sendo eleito, exercendo funções contra a linha da associação cívica de que é membro.
Quem assim se comporta não pode pensar noutro sentido. O seu comportamento (activo) foi de verdadeira traição à associação de que faz parte integrante e se a associação não reagir, expulsando os membros que assim se comportam, não poderá apresentar publicamente a credibilidade e a honorabilidade necessárias.
Os descontentes, caso queiram permanecer na associação, deverão desenvolver os esforços necessários (dentro da própria associação) com vista à alteração do status quo ante, modernizando-o segundo os seus conceitos. E para isso precisam de convencer os seus pares, sem os trair.
E as ideias, sejam elas quais forem, defendem-se nos locais próprios das associações e não na praça pública.
O comportamento desses associados demonstra que:
1.       Começa a fazer escola a táctica de passar por vítima inocente depois da prática de acções incorrectas à luz dos estatutos e dos regulamentos da respectiva associação e, até, da Lei;
2.       Como o princípio da boa fé anda de rastos em Portugal – está apenas de boa-fé quem tiver um comportamento correcto, honesto e leal perante outrém. A boa-fé é uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada para não defraudar ou abusar da confiança alheia, o respeito e a obrigação perante os demais.

In jornal de Matosinhos nº 1731, de 21 de Fevereiro de 2014


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

ASSIM VAI O PAÍS - II

Suponha o leitor que é condómino no prédio referido anteriormente, e que, nos termos da lei vigente, tem de fazer o seguro da sua fracção autónoma.
Como proceder?
O seguro obrigatório é o seguro contra o risco de incêndio, mas como as seguradoras, por mais uns “tostões”, oferecem um vasto leque de coberturas adicionais, que deve-se ter sempre em conta na contratação de um seguro, pelo que será melhor contratar um “seguro multirrisco”.
Caso não tenha contraído um empréstimo e, consequentemente, não tenha um credor hipotecário, o valor a segurar será sempre o valor para que, em caso de perda total da sua fracção autónoma, possa proceder à sua recuperação. É o que se chama valor de reconstrução, que é fixado anualmente pelo Governo da República, e que qualquer mediador lho fornecerá.
Num condomínio, por vezes, interessará a contratação de um seguro colectivo por razões de ordem económica e prática. Economicamente, o prémio é inversamente proporcional ao capital, isto é, quanto maior o capital a segurar menor é a taxa a aplicar, pelo que o prémio será mais baixo. Por razões de ordem prática: quanto menos seguradoras envolvidas, em caso de sinistro, tanto melhor.
Porém, razões de ordem profissional ou outras, ao condómino não interessará estar integrado no seguro colectivo. E, saliente-se, que não é obrigado a estar.
Por proposta do administrador do condomínio, a Assembleia-Geral fixará o valor do prédio para efeitos de seguro que será actualizado anualmente através do índice publicado pelo Instituto de Seguros de Portugal, sendo obrigação da seguradora avisar desse facto o tomador do seguro.
Como calcular, então, o valor do prédio para efeitos de seguro?
Primeiramente, há que saber a área total do mesmo e, sabida esta, aplicar o valor de reconstrução por metro quadrado, como dito supra.
Contratado o seguro pelo valor fixado pela Assembleia-Geral, há que pagá-lo. O valor do prémio será repartido pelos condóminos, segundo as percentagens constantes da propriedade horizontal e proporcionalmente, no sentido matemático do termo, em função do capital de cada uma das fracções, pagando cada condómino o prémio em proporção do respectivo valor de reconstrução.
Porém, seguros colectivos há que não são feitos assim. É atribuído, arbitrariamente, a cada fracção autónoma um valor que nada tem a ver com o valor de reconstrução, a tal ponto que os valores são de tal maneira díspares que, em caso de um sinistro vultuoso, a seguradora terá dificuldades em resolver o problema.
Exemplificando: a um estabelecimento comercial com uma área de 200 m2 foi atribuído um valor de 200.000,00 euros, e a outro, com a área de 270 m2, foi atribuído um valor de 30.000,00 euros! O primeiro tem um valor de reconstrução de mil euros por cada metro quadrado (superior ao indicado pelo Instituto de Seguros de Portugal) e ao segundo, pouco mais de cem euros (uma ridicularia!!).
O valor de cada uma das fracções autónomas, sendo indexado, nunca pode baixar. Porém, casos há, em que, num ano, o valor é de 60.000,00 € e, no ano seguinte, passa para 50.000,00 €, o que viola a filosofia subjacente à lei.


In Jornal de Matosinhos nº 1730, de 14 de Fevereiro de 2014

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

ASSIM VAI O PAÍS

Nunca, como estes últimos meses, se falou tanto, em Portugal, em igualdade, proporcionalidade e equidade. Repetidamente, e por tudo e por nada, lá estavam presentes os conceitos chaves do ordenamento jurídico português que, como se sabe, tem no seu vértice a Constituição da República.
Mas, será mesmo assim no dia-a-dia das relações entre privados?
Suponha o leitor que é condómino num prédio no regime de propriedade horizontal constituído por algumas centenas de fracções autónomas destinadas a comércio, escritórios (serviços) e habitações e ainda, nas caves, as garagens para o estacionamento automóvel não apenas dos residentes no prédio e, ainda, os arrumos das habitações, na subcave. E, para os acessos ao prédio, o mesmo tem várias entradas: uma para as caves, outra para os serviços, e três para as habitações.
Suponha, ainda, que as fracções autónomas são todas diferentes, com percentagens, obviamente, distintas devido à sua constituição: umas serão apenas constituídas pelo espaço destinado ao seu fim (a comércio, a prestação de serviços, a habitação, a estacionamento automóvel ou a arrumos); outras fracções incluirão a garagem; outras fracções incluirão a garagem e os arrumos. E cada uma dos espaços tem as respectivas áreas e, finalmente, a sua percentagem do valor global investido.
Sabe-se, assim, a área de cada uma das fracções e das respectivas zonas de uso ou potencial uso (as áreas parciais e as áreas totais).
Como calcular, então, os encargos para a manutenção e conservação do prédio e de cada uma das zonas que o constitui?
Nos termos da legislação vigente, que remonta a Junho de 1965, os encargos dos serviços de interesse comum são pagos pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções e que os encargos das partes comuns que sirvam exclusivamente alguns dos condóminos ficam a cargo dos que deles se servem.
Assim sendo, como é, terão de ser elaborados orçamentos para as despesas das diversas zonas comuns que, no caso hipotético, serão:
1 – Despesas comuns a todas as fracções autónomas;
2 – Despesas da entrada para os escritórios (prestação de serviços);
3 – Despesas de cada uma das 3 entradas para as habitações;
4 – Despesas da cave e subcave (garagens e arrumos).
Feitos os orçamentos, como calcular o quantum a cargo de cada um dos condóminos para as despesas comuns que ele utiliza ou possa utilizar?
Como as fracções autónomas são todas diferentes (apenas “a loja” ou “o escritório” ou a “a habitação” ou “a loja + a garagem” ou “ o escritório + a garagem” ou “a habitação + a garagem + os arrumos” ou “a garagem” ou “os arrumos”) como fazer as contas?
Uns sustentam que deverá ser apenas usadas as percentagens ou permilagens contantes da escritura da constituição da propriedade horizontal. E só essa.
Para o cálculo das despesas comuns a todas as fracções autónomas não há qualquer dificuldade: usa-se a percentagem constante do título constitutivo da propriedade horizontal.
Porém, para as outras zonas de uso ou potencial uso, se forem utilizadas as percentagens das diversas fracções, provocar-se-ão distorções, já que a percentagem constante da propriedade horizontal é o somatório das áreas das partes que constituem a fracção autónoma.
Assim, para o cálculo da quota de cada uma das entradas habitacionais e dos escritórios não poderão ser considerados os espaços da garagem e dos arrumos; no cálculo da quota das caves não poderão entrar os espaços de comércio ou de habitação ou de serviços, como resulta claramente da lei, atentos os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da equidade.
Os valores serão encontrados proporcionalmente ao valor da fracção. De toda a fracção ou apenas da parte da fracção a que respeita a zona de uso ou potencial uso?
Segundo o princípio da proporcionalidade ou o princípio da proibição do excesso, a quota a cargo de cada um dos condóminos não pode ser mais onerosa que as quotas das demais fracções iguais, sendo os valores encontrados segundo o sentido matemático do termo.
O princípio da igualdade diz-nos que a garagens, a arrumos, a lojas, a serviços e a habitações iguais corresponderá uma quota igual.
         Havendo distorções, como os há pela aplicação cega das percentagens (para que uns condóminos paguem menos outros terão, necessariamente, de pagar mais) lá se vai a equidade.
         Como preservar, então, os três princípios ínsitos à legislação portuguesa?
         Utilizando, no cálculo de cada uma das zonas de uso ou potencial uso, as áreas das diversas componentes de cada uma das fracções autónomas que constam da escritura da propriedade horizontal. Por alguma coisa é que lá estão. Se não fosse preciso não estariam lá, como sucedia no passado, nos prédios de apenas uma entrada e com uma cave para garagem, em que o problema não se punha.
         E não é por acaso que em alguns regulamentos do condomínio se diz que, para o cálculo das quotas-partes dos bens comuns, a quota-parte corresponderá à percentagem que exprime a área relativa da sua fracção autónoma.

In JM nº 1729, de 7 de Fevereiro de 2014