Nunca, como
estes últimos meses, se falou tanto, em Portugal, em igualdade,
proporcionalidade e equidade. Repetidamente, e por tudo e por nada, lá estavam
presentes os conceitos chaves do ordenamento jurídico português que, como se
sabe, tem no seu vértice a Constituição da República.
Mas, será
mesmo assim no dia-a-dia das relações entre privados?
Suponha o
leitor que é condómino num prédio no regime de propriedade horizontal
constituído por algumas centenas de fracções autónomas destinadas a comércio,
escritórios (serviços) e habitações e ainda, nas caves, as garagens para o
estacionamento automóvel não apenas dos residentes no prédio e, ainda, os
arrumos das habitações, na subcave. E, para os acessos ao prédio, o mesmo tem
várias entradas: uma para as caves, outra para os serviços, e três para as
habitações.
Suponha,
ainda, que as fracções autónomas são todas diferentes, com percentagens,
obviamente, distintas devido à sua constituição: umas serão apenas constituídas
pelo espaço destinado ao seu fim (a comércio, a prestação de serviços, a habitação,
a estacionamento automóvel ou a arrumos); outras fracções incluirão a garagem;
outras fracções incluirão a garagem e os arrumos. E cada uma dos espaços tem as
respectivas áreas e, finalmente, a sua percentagem do valor global investido.
Sabe-se,
assim, a área de cada uma das fracções e das respectivas zonas de uso ou
potencial uso (as áreas parciais e as áreas totais).
Como calcular,
então, os encargos para a manutenção e conservação do prédio e de cada uma das
zonas que o constitui?
Nos termos da
legislação vigente, que remonta a Junho de 1965, os encargos dos serviços de
interesse comum são pagos pelos condóminos em proporção do valor das suas
fracções e que os encargos das partes comuns que sirvam exclusivamente alguns
dos condóminos ficam a cargo dos que deles se servem.
Assim sendo,
como é, terão de ser elaborados orçamentos para as despesas das diversas zonas
comuns que, no caso hipotético, serão:
1 – Despesas
comuns a todas as fracções autónomas;
2 – Despesas
da entrada para os escritórios (prestação de serviços);
3 – Despesas
de cada uma das 3 entradas para as habitações;
4 – Despesas
da cave e subcave (garagens e arrumos).
Feitos os
orçamentos, como calcular o quantum a
cargo de cada um dos condóminos para as despesas comuns que ele utiliza ou
possa utilizar?
Como as
fracções autónomas são todas diferentes (apenas “a loja” ou “o escritório” ou a
“a habitação” ou “a loja + a garagem” ou “ o escritório + a garagem” ou “a habitação
+ a garagem + os arrumos” ou “a garagem” ou “os arrumos”) como fazer as contas?
Uns sustentam
que deverá ser apenas usadas as percentagens ou permilagens contantes da
escritura da constituição da propriedade horizontal. E só essa.
Para o
cálculo das despesas comuns a todas as fracções autónomas não há qualquer
dificuldade: usa-se a percentagem constante do título constitutivo da
propriedade horizontal.
Porém, para
as outras zonas de uso ou potencial uso, se forem utilizadas as percentagens
das diversas fracções, provocar-se-ão distorções, já que a percentagem
constante da propriedade horizontal é o somatório das áreas das partes que
constituem a fracção autónoma.
Assim, para o
cálculo da quota de cada uma das entradas habitacionais e dos escritórios não
poderão ser considerados os espaços da garagem e dos arrumos; no cálculo da
quota das caves não poderão entrar os espaços de comércio ou de habitação ou de
serviços, como resulta claramente da lei, atentos os princípios da
proporcionalidade, da igualdade e da equidade.
Os valores
serão encontrados proporcionalmente ao valor da fracção. De toda a fracção ou
apenas da parte da fracção a que respeita a zona de uso ou potencial uso?
Segundo o
princípio da proporcionalidade ou o princípio da proibição do excesso, a quota
a cargo de cada um dos condóminos não pode ser mais onerosa que as quotas das
demais fracções iguais, sendo os valores encontrados segundo o sentido
matemático do termo.
O princípio
da igualdade diz-nos que a garagens, a arrumos, a lojas, a serviços e a
habitações iguais corresponderá uma quota igual.
Havendo
distorções, como os há pela aplicação cega das percentagens (para que uns
condóminos paguem menos outros terão, necessariamente, de pagar mais) lá se vai
a equidade.
Como
preservar, então, os três princípios ínsitos à legislação portuguesa?
Utilizando,
no cálculo de cada uma das zonas de uso ou potencial uso, as áreas das diversas
componentes de cada uma das fracções autónomas que constam da escritura da
propriedade horizontal. Por alguma coisa é que lá estão. Se não fosse preciso
não estariam lá, como sucedia no passado, nos prédios de apenas uma entrada e
com uma cave para garagem, em que o problema não se punha.
E
não é por acaso que em alguns regulamentos do condomínio se diz que, para o
cálculo das quotas-partes dos bens comuns, a quota-parte corresponderá à
percentagem que exprime a área relativa da sua fracção autónoma.
In JM nº
1729, de 7 de Fevereiro de 2014
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