sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

ASSIM VAI O PAÍS

Nunca, como estes últimos meses, se falou tanto, em Portugal, em igualdade, proporcionalidade e equidade. Repetidamente, e por tudo e por nada, lá estavam presentes os conceitos chaves do ordenamento jurídico português que, como se sabe, tem no seu vértice a Constituição da República.
Mas, será mesmo assim no dia-a-dia das relações entre privados?
Suponha o leitor que é condómino num prédio no regime de propriedade horizontal constituído por algumas centenas de fracções autónomas destinadas a comércio, escritórios (serviços) e habitações e ainda, nas caves, as garagens para o estacionamento automóvel não apenas dos residentes no prédio e, ainda, os arrumos das habitações, na subcave. E, para os acessos ao prédio, o mesmo tem várias entradas: uma para as caves, outra para os serviços, e três para as habitações.
Suponha, ainda, que as fracções autónomas são todas diferentes, com percentagens, obviamente, distintas devido à sua constituição: umas serão apenas constituídas pelo espaço destinado ao seu fim (a comércio, a prestação de serviços, a habitação, a estacionamento automóvel ou a arrumos); outras fracções incluirão a garagem; outras fracções incluirão a garagem e os arrumos. E cada uma dos espaços tem as respectivas áreas e, finalmente, a sua percentagem do valor global investido.
Sabe-se, assim, a área de cada uma das fracções e das respectivas zonas de uso ou potencial uso (as áreas parciais e as áreas totais).
Como calcular, então, os encargos para a manutenção e conservação do prédio e de cada uma das zonas que o constitui?
Nos termos da legislação vigente, que remonta a Junho de 1965, os encargos dos serviços de interesse comum são pagos pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções e que os encargos das partes comuns que sirvam exclusivamente alguns dos condóminos ficam a cargo dos que deles se servem.
Assim sendo, como é, terão de ser elaborados orçamentos para as despesas das diversas zonas comuns que, no caso hipotético, serão:
1 – Despesas comuns a todas as fracções autónomas;
2 – Despesas da entrada para os escritórios (prestação de serviços);
3 – Despesas de cada uma das 3 entradas para as habitações;
4 – Despesas da cave e subcave (garagens e arrumos).
Feitos os orçamentos, como calcular o quantum a cargo de cada um dos condóminos para as despesas comuns que ele utiliza ou possa utilizar?
Como as fracções autónomas são todas diferentes (apenas “a loja” ou “o escritório” ou a “a habitação” ou “a loja + a garagem” ou “ o escritório + a garagem” ou “a habitação + a garagem + os arrumos” ou “a garagem” ou “os arrumos”) como fazer as contas?
Uns sustentam que deverá ser apenas usadas as percentagens ou permilagens contantes da escritura da constituição da propriedade horizontal. E só essa.
Para o cálculo das despesas comuns a todas as fracções autónomas não há qualquer dificuldade: usa-se a percentagem constante do título constitutivo da propriedade horizontal.
Porém, para as outras zonas de uso ou potencial uso, se forem utilizadas as percentagens das diversas fracções, provocar-se-ão distorções, já que a percentagem constante da propriedade horizontal é o somatório das áreas das partes que constituem a fracção autónoma.
Assim, para o cálculo da quota de cada uma das entradas habitacionais e dos escritórios não poderão ser considerados os espaços da garagem e dos arrumos; no cálculo da quota das caves não poderão entrar os espaços de comércio ou de habitação ou de serviços, como resulta claramente da lei, atentos os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da equidade.
Os valores serão encontrados proporcionalmente ao valor da fracção. De toda a fracção ou apenas da parte da fracção a que respeita a zona de uso ou potencial uso?
Segundo o princípio da proporcionalidade ou o princípio da proibição do excesso, a quota a cargo de cada um dos condóminos não pode ser mais onerosa que as quotas das demais fracções iguais, sendo os valores encontrados segundo o sentido matemático do termo.
O princípio da igualdade diz-nos que a garagens, a arrumos, a lojas, a serviços e a habitações iguais corresponderá uma quota igual.
         Havendo distorções, como os há pela aplicação cega das percentagens (para que uns condóminos paguem menos outros terão, necessariamente, de pagar mais) lá se vai a equidade.
         Como preservar, então, os três princípios ínsitos à legislação portuguesa?
         Utilizando, no cálculo de cada uma das zonas de uso ou potencial uso, as áreas das diversas componentes de cada uma das fracções autónomas que constam da escritura da propriedade horizontal. Por alguma coisa é que lá estão. Se não fosse preciso não estariam lá, como sucedia no passado, nos prédios de apenas uma entrada e com uma cave para garagem, em que o problema não se punha.
         E não é por acaso que em alguns regulamentos do condomínio se diz que, para o cálculo das quotas-partes dos bens comuns, a quota-parte corresponderá à percentagem que exprime a área relativa da sua fracção autónoma.

In JM nº 1729, de 7 de Fevereiro de 2014


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