quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

TRAIÇÕES ( II )

Todo o ser humano, ao atingir uma determinada posição, entra em contradições com os feitos anteriores porque se esquece facilmente do que disse e do que fez há muito (às vezes pouco) tempo, e quando confrontado com os factos ocorridos, quer no presente quer no passado, tenta justificá-los: os outros é que estão errados! Ele nunca!!
Alguns membros de associações às quais estão vinculados, não apenas por serem seus associados, até mesmo por serem seus fundadores, deveriam defender os interesses da sua associação mas, ao fim de algum tempo, face ao novo contexto social, passam a defender ideias contrárias às que estão obrigados pelos respectivos estatutos.
A título meramente exemplificativo: um membro de uma associação de direitos humanos, em que, por definição, está proibida a pena de morte, não poderá vir a terreiro defendê-la em certos contextos. Ou é contra a pena de morte ou não é. Não há justificação possível. Ou, naquele caso mais mediático, em que um membro de uma associação cívico-política concorreu, nas eleições, numa lista concorrente à associação de que é membro efectivo.
Perante estas contradições que fazer?
Qualquer associação elenca, nos estatutos, os respectivos objectivos e os meios para os atingir. Nos mesmos estatutos também constam normas disciplinadoras da actuação dos respectivos membros, para que a vida associativa se não transforme num caos. Que fazer, então?
Desde logo o levantamento de um processo disciplinar, com vista à determinação das responsabilidades administrativas (que não penais) pelo que as garantias de defesa não são tão fortes quanto as desta, desde logo porque não é obrigatória a constituição de advogado.
O demandado é notificado para, no prazo estatutário, apresentar a sua defesa, querendo, no prazo que for fixado, obedecendo aos mais elementares princípios de defesa:
» Princípio da legalidade – não há infracção se a mesma não estiver prevista no regulamento disciplinar ou nos estatutos da associação à data da prática dos factos e sem que esteja prevista a respectiva sanção; radica no brocardo latino de “nulla poena sine lege ante”;
» Princípio do contraditório – garante a plena igualdade de oportunidades processuais das partes (as mesmas “armas”) – autor e acusado – garantindo a defesa deste, que apresentará as testemunhas a serem inquiridas e arrolará os documentos que entender;
» Princípio da presunção de inocência – todos são considerados inocentes, e assim devem ser tratados, até que haja uma decisão irrecorrível que o declare culpado. É uma garantia individual, cabendo ao acusador demonstrar, no processo, que não há causas que excluam ou isentem o acusado da sanção;
» Princípio da dignidade da pessoa humana – o acusado tem o direito de ser julgado conforme a lei, de forma justa, podendo provar, contrapor, alegar, defender-se de forma ampla, garantindo que não seja um mero espectador do seu próprio julgamento, não permitindo que o processo seja inquisitivo;
» Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade – visa a protecção do acusado contra o arbítrio do autor, restringindo o exercício do poder, desejando-se que os actos do autor estejam impregnados do valor da justiça, para não ser um ajuste de contas;
» Princípio da igualdade ou isonomia – o autor não pode estabelecer privilégios ou discriminações seja em que circunstância for, devendo tratar equitativamente todos os membros da associação – para um mesmo comportamento a mesma sanção;
» Princípio da publicidade – todas as acções serão públicas e as decisões fundamentadas.
Ora, se nos estatutos de uma associação cívica está prevista a pena de expulsão de um membro que pratique uma falta grave e se o conceito de falta grave está igualmente prevista nos estatutos nada mais resta à associação cívica, seja ela qual for, que não seja a expulsão do respectivo membro, fazendo aplicar os estatutos.
Uma coisa é, no momento de exercer o seu direito, votar contra a associação de que é membro, votando noutro concorrente – o voto é secreto e ninguém saberá o sentido do voto do associado eleitor. Coisa bem diferente é constituir ou integrar uma lista concorrente à associação de que é membro efectivo, votando e sendo eleito, exercendo funções contra a linha da associação cívica de que é membro.
Quem assim se comporta não pode pensar noutro sentido. O seu comportamento (activo) foi de verdadeira traição à associação de que faz parte integrante e se a associação não reagir, expulsando os membros que assim se comportam, não poderá apresentar publicamente a credibilidade e a honorabilidade necessárias.
Os descontentes, caso queiram permanecer na associação, deverão desenvolver os esforços necessários (dentro da própria associação) com vista à alteração do status quo ante, modernizando-o segundo os seus conceitos. E para isso precisam de convencer os seus pares, sem os trair.
E as ideias, sejam elas quais forem, defendem-se nos locais próprios das associações e não na praça pública.
O comportamento desses associados demonstra que:
1.       Começa a fazer escola a táctica de passar por vítima inocente depois da prática de acções incorrectas à luz dos estatutos e dos regulamentos da respectiva associação e, até, da Lei;
2.       Como o princípio da boa fé anda de rastos em Portugal – está apenas de boa-fé quem tiver um comportamento correcto, honesto e leal perante outrém. A boa-fé é uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada para não defraudar ou abusar da confiança alheia, o respeito e a obrigação perante os demais.

In jornal de Matosinhos nº 1731, de 21 de Fevereiro de 2014


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