Todo
o ser humano, ao atingir uma determinada posição, entra em contradições com os
feitos anteriores porque se esquece facilmente do que disse e do que fez há
muito (às vezes pouco) tempo, e quando confrontado com os factos ocorridos,
quer no presente quer no passado, tenta justificá-los: os outros é que estão
errados! Ele nunca!!
Alguns
membros de associações às quais estão vinculados, não apenas por serem seus
associados, até mesmo por serem seus fundadores, deveriam defender os
interesses da sua associação mas, ao fim de algum tempo, face ao novo contexto
social, passam a defender ideias contrárias às que estão obrigados pelos
respectivos estatutos.
A
título meramente exemplificativo: um membro de uma associação de direitos
humanos, em que, por definição, está proibida a pena de morte, não poderá vir a
terreiro defendê-la em certos contextos. Ou é contra a pena de morte ou não é.
Não há justificação possível. Ou, naquele caso mais mediático, em que um membro
de uma associação cívico-política concorreu, nas eleições, numa lista
concorrente à associação de que é membro efectivo.
Perante
estas contradições que fazer?
Qualquer
associação elenca, nos estatutos, os respectivos objectivos e os meios para os
atingir. Nos mesmos estatutos também constam normas disciplinadoras da actuação
dos respectivos membros, para que a vida associativa se não transforme num
caos. Que fazer, então?
Desde
logo o levantamento de um processo disciplinar, com vista à determinação das
responsabilidades administrativas (que não penais) pelo que as garantias de
defesa não são tão fortes quanto as desta, desde logo porque não é obrigatória
a constituição de advogado.
O
demandado é notificado para, no prazo estatutário, apresentar a sua defesa,
querendo, no prazo que for fixado, obedecendo aos mais elementares princípios
de defesa:
» Princípio da legalidade – não há infracção se a mesma não
estiver prevista no regulamento disciplinar ou nos estatutos da associação à
data da prática dos factos e sem que esteja prevista a respectiva sanção;
radica no brocardo latino de “nulla poena
sine lege ante”;
» Princípio do contraditório – garante a plena igualdade de
oportunidades processuais das partes (as mesmas “armas”) – autor e acusado –
garantindo a defesa deste, que apresentará as testemunhas a serem inquiridas e
arrolará os documentos que entender;
» Princípio da presunção de inocência – todos são considerados
inocentes, e assim devem ser tratados, até que haja uma decisão irrecorrível
que o declare culpado. É uma garantia individual, cabendo ao acusador
demonstrar, no processo, que não há causas que excluam ou isentem o acusado da
sanção;
» Princípio da dignidade da pessoa
humana – o acusado tem o
direito de ser julgado conforme a lei, de forma justa, podendo provar,
contrapor, alegar, defender-se de forma ampla, garantindo que não seja um mero
espectador do seu próprio julgamento, não permitindo que o processo seja
inquisitivo;
» Princípio da proporcionalidade e da
razoabilidade – visa a
protecção do acusado contra o arbítrio do autor, restringindo o exercício do
poder, desejando-se que os actos do autor estejam impregnados do valor da
justiça, para não ser um ajuste de contas;
» Princípio da igualdade ou isonomia – o autor não pode estabelecer
privilégios ou discriminações seja em que circunstância for, devendo tratar
equitativamente todos os membros da associação – para um mesmo comportamento a
mesma sanção;
» Princípio da publicidade – todas as acções serão públicas e as
decisões fundamentadas.
Ora,
se nos estatutos de uma associação cívica está prevista a pena de expulsão de
um membro que pratique uma falta grave e se o conceito de falta grave está
igualmente prevista nos estatutos nada mais resta à associação cívica, seja ela
qual for, que não seja a expulsão do respectivo membro, fazendo aplicar os
estatutos.
Uma
coisa é, no momento de exercer o seu direito, votar contra a associação de que
é membro, votando noutro concorrente – o voto é secreto e ninguém saberá o
sentido do voto do associado eleitor. Coisa bem diferente é constituir ou
integrar uma lista concorrente à associação de que é membro efectivo, votando e
sendo eleito, exercendo funções contra a linha da associação cívica de que é
membro.
Quem
assim se comporta não pode pensar noutro sentido. O seu comportamento (activo)
foi de verdadeira traição à associação de que faz parte integrante e se a
associação não reagir, expulsando os membros que assim se comportam, não poderá
apresentar publicamente a credibilidade e a honorabilidade necessárias.
Os
descontentes, caso queiram permanecer na associação, deverão desenvolver os
esforços necessários (dentro da própria associação) com vista à alteração do status quo ante, modernizando-o segundo
os seus conceitos. E para isso precisam de convencer os seus pares, sem os
trair.
E
as ideias, sejam elas quais forem, defendem-se nos locais próprios das
associações e não na praça pública.
O
comportamento desses associados demonstra que:
1.
Começa a fazer escola a táctica de passar por vítima inocente depois da prática de acções incorrectas
à luz dos estatutos e dos regulamentos da respectiva associação e, até, da Lei;
2.
Como o princípio
da boa fé anda de rastos em
Portugal – está apenas de boa-fé quem tiver um comportamento correcto, honesto
e leal perante outrém. A boa-fé é uma regra
ética, um dever de guardar
fidelidade à palavra dada
para não defraudar ou abusar da confiança alheia, o respeito e a obrigação
perante os demais.
In jornal de Matosinhos nº 1731, de 21 de Fevereiro de 2014
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