sexta-feira, 26 de setembro de 2014

DEPUTADOS

Na pretérita semana, falou-se muito no número de deputados na Assembleia da República, discussão que não é nova, vem de, pelo menos, aquando da aprovação do actual texto constitucional, porquanto o artigo 148º reza: “A Assembleia da República tem o mínimo de 180 e o máximo de 230 deputados, nos termos da lei eleitoral”.
Já em 2006, os jornais informavam que o PS defendia a manutenção do número máximo de deputados previstos na CRP, mas que não fechava a porta a um entendimento com o PSD nesta matéria. O Dr. Jaime Gama, ao tempo Presidente do Parlamento, defendia que “a Assembleia da República ganharia com um número menor de deputados”.
Por outro lado, outros afirmavam que era “uma falácia dizer que Portugal tem parlamentares a mais” embora admitisse que o sistema actual permite a existência de deputados que “não fazem nada”, pelo que os partidos “deviam ser os primeiros a exigir que os seus parlamentares mostrassem trabalho” (André Freire), enquanto outros diziam que a questão não era matemática mas política (José Adelino Maltez), e sugeria que a redução do número de deputados era reforçar o poder da Assembleia da República que deveria deixar de delegar algumas competência parlamentares no Governo e valorizar efectivamente as Comissões de Inquérito.
Mais recentemente, em 2010, os jornais noticiavam, sob o ponto de vista puramente matemático, que o Parlamento Francês tem 1 deputado por cada 113.000 habitantes, o Parlamento Alemão tem 1 deputado por cada 132.000 habitantes, o Parlamento Espanhol tem 1 deputado por cada 134.000 habitantes. Portugal, com os seus 230 deputados tem 1 deputado por cada 43.000 habitantes!
Mas o que é um Deputado? Um deputado, integrado numa lista partidária, é o representante do eleitor no Parlamento.
E o que faz? Com o voto do eleitor, um deputado, enquanto “procurador” do Povo, aprova as leis, integra as Comissões de Inquérito e fiscaliza os actos do Governo, e assiste aos debates parlamentares (o que é mais visível ao cidadão comum que a eles assiste via TV).
A questão da redução do número de deputados tem de ser vista sob dois pontos importantes: a representação do eleitor e/ou a eficácia.
A representação do eleitor é sempre proporcional e o cálculo varia de país para país, já que estão em uso, pelo menos, dois métodos de cálculo:
» » o de Victor D’Hondt – método dos quocientes ou método da média mais alta, utilizado na Argentina, Bélgica, Cabo Verde, Espanha e Portugal.
» » o de Sainte-Laguë – similar ao D’Hondt, mas que favorece os partidos mais pequenos, e é utilizado na Alemanha, Dinamarca, Noruega, Nova Zelândia e, Suécia.
A redução do número de deputados é uma decisão meramente política e, em cumprimento do texto constitucional, pode ser reduzido para o seu mínimo + 1 – 181 – (para evitar que haja um eventual empate numa qualquer votação), e, obviamente, a sua redução tem de conduzir à alteração da lei eleitoral, de modo a manter a proporcionalidade do número de representantes do Povo (*).
A reforma eleitoral (**) encontrará as mesmas resistências que se verificaram na reforma autárquica: todos sabemos que há demasiados municípios (cerca de 100 chegavam perfeitamente para o território e populações portugueses); todos sabemos que o número de freguesias, não obstante a reforma feita, ainda é um número demasiado elevado (***) mas as resistências continuam.
Um argumento interessante muito em voga é o de que “desde sempre defendemos estes valores”. Se é assim, porque votaram favoravelmente o texto constitucional, onde se prevê, precisamente, essa amplitude de 50 deputados? Se esses valores foram sempre assim tão caros porque não votaram contra? Porque se não bateram por eles?

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(*) Havendo disciplina de voto partidário – o que contraria a liberdade individual de cada deputado que representa o sentir da população que o elegeu – não faz muito sentido haver um elevado número de deputados no Parlamento.
(**) No âmbito da reforma eleitoral só deveria poder ser eleito o residente na respectiva área, impedindo os habitais “paraquedistas” que residindo numa freguesia ou concelho ou distrito podem integrar listas de outra freguesia ou de outro concelho ou de outro distrito, como actualmente se verifica.
(***) Todos temos a perfeita consciência de que as freguesias, nos concelhos urbanos, não são necessárias, por muitas delegações de competências que tenham do município; não passarão nunca de caixas do correio dos municípios.


IN Jornal de Matosinhos nº 1762, de 26 de Setembro de 2014

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

PELOUROS

Um território, seja ele qual for, necessita de ser administrado e, como tal, as tarefas têm de ser divididas para que essa gestão seja mais eficaz, e sendo mais eficaz, os cidadãos, seus destinatários últimos, ficarão mais satisfeitos e ficando mais satisfeitos ficarão mais felizes. E sendo mais felizes serão melhores cidadãos.
Também é por isso que qualquer empresa tem o seu Departamento de Planeamento porque planear consiste em perceber a realidade, avaliar as alternativas possíveis, e decidir o que fazer concretamente.
Para isso existem, nos Municípios Portugueses os Pelouros do Urbanismo e dos Transportes, e em alguns, ainda o Pelouro da Mobilidade.
Ao Pelouro do Urbanismo competirá definir metas e objectivos concretos, mormente a aprovação dos Planos Directores Municipais e os Planos de Pormenor para que as cidades cresçam numa harmonia perfeita.
Ao Urbanismo competirá, no fundo, à estética e ao consequente embelezamento das cidades.
Ao Pelouro dos Transportes competirá a organização de uma rede de transportes que sirva, essencialmente, as populações mais carenciadas, aquelas que, por qualquer motivo, não possam ter uma viatura privativa ao seu serviço. E essa carência não é, forçosamente, de ordem financeira, porque nem tudo na vida se reduz ao aspecto financeiro.
Ao Pelouro da Mobilidade competirá verificar o cumprimento de todas as disposições constitucionais e legais da mobilidade urbana. Desta feita, não das máquinas mas das pessoas aos edifícios, habitacionais ou não. Aos Bancos, às Companhias de Seguros, aos Correios, às Repartições Públicas, às Escolas, às Bibliotecas, aos Cafés, aos Restaurantes, aos Museus, aos Monumentos Nacionais ou Municipais ou de Interesse Público. Também aos Parques e aos Jardins.
Mas não é isso que se vê nos nossos Municípios, e Matosinhos não foge à regra: os prédios são licenciados dentro do cumprimento das leis, no seu sentido mais amplo, mas rapidamente se transformam, violando o seu projecto inicial, que tanto trabalho deu a quem o projectou e a quem o aprovou e a quem o licenciou.
Mas não há problema, porque se trata apenas de pequenas alterações de escassa relevância urbanística e este conceito, que ninguém sabe o que é, alastra como fogo em erva seca.
Foi assim no incêndio do Chiado (*), no Verão de 1988, porque as pequenas construções de escassa relevância urbanística impediram que os bombeiros atacassem o fogo quase na sua origem. As viaturas de combate a incêndio não puderam entrar na Rua do Chiado! Para o acesso aos edifícios em chamas tiveram que demolir primeiro as construções de escassa relevância urbanística, perdendo-se inúmeros e preciosos minutos no combate ao incêndio.
Nascem, por todo o lado, pilaretes nas faixas de rodagem, muitos deles impedindo que os autocarros encostem aos passeios, nas respectivas paragens. Enquanto noutras paragens, ainda que devidamente assinaladas com pinturas a vermelho no pavimento, estaciona-se com todo o à-vontade como se não houvesse legislação proibindo o estacionamento naqueles locais.
Nas ruas de sentido único transita-se em contramão; noutras foram pintadas, com dois sentidos, ciclovias; as esplanadas nascem como cogumelos nos passeios, ocupando, por vezes parcialmente as passadeiras; fecham-se ruas com barreiras metálicas e cadeados e espaços públicos com portões, com ilegítima apropriação privada do espaço público. Tudo como se não houvesse planeamento prévio. Como se não existissem projectos superiormente aprovados.
Se assim é, para que servem os Planos Directores Municipais e os Planos de Pormenor? Para que servem os licenciamentos?
Para que servem, então, as Câmaras Municipais?
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Havendo, por ano, mais de 60.000 incêndios urbanos em Portugal (cerca de 165 por dia), suponha o Caro Leitor que, de madrugada, há um incêndio no nº 155 da Rua do Vareiro, em Leça da Palmeira, ou no nº 1136-H da Av. D. Afonso Henriques, em Matosinhos. Como os bombeiros combateriam o fogo?

IN Jornal de Matosinhos nº 1761, de 19 de Setembro de 2014



quinta-feira, 11 de setembro de 2014

TURISMO LOCAL

   Foi, muito recentemente, publicado o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local na esteira de legislação anterior, devido à dinâmica própria de um mercado vivo e actuante de um país que atrai cada vez mais turistas não apenas pelas suas características climáticas e gastronómicas mas também pela simpatia do seu bom Povo.
Dentro dessa dinâmica do mercado turístico serviços havia (há) que funcionavam (que ainda hoje funcionam) sem qualquer formalismo e à margem da lei não obstante terem sido extintos há mais de 6 anos: as pensões, os motéis, as albergarias e as estalagens.
Pretende-se, agora, evitar o encerramento dos estabelecimentos hoteleiros anteriormente citados com todas as consequências negativas para o país.
Assim, a lei recentemente entrada em vigor eleva a figura do Alojamento Local de uma categoria meramente residual para uma categoria autónoma, de modo a que todos os estabelecimentos hoteleiros possam ser tratados de modo igual ao que materialmente é igual (princípio de igualdade de tratamento).
Os proprietários de moradias, de apartamentos e de estabelecimentos de hospedagem (os motéis, as pensões, as albergarias e as estalagens) podem integrar o “estabelecimento de alojamento local”.
Para tanto devem comunicar ao presidente da Câmara Municipal competente, através do Balcão Único Electrónico, que confere a cada pedido um número (o número de registo do estabelecimento de alojamento). Esta comunicação prévia é conditio sine qua non para o funcionamento do estabelecimento de alojamento local.
Dessa comunicação prévia devem constar obrigatoriamente uma série de informações e de documentos ou não fosse Portugal um país altamente burocratizado, onde, por vezes, se criam departamentos de fiscalização sobreposta e que, por isso mesmo, ninguém fiscaliza porque a competência é “do outro”.
Neste caso concreto, a Câmara Municipal realiza a vistoria no prazo de 30 dias, podendo, ainda, solicitar ao Turismo de Portugal a realização de vistorias, mas compete à ASAE fiscalizar o cumprimento da legislação, instruir os processos e aplicar as coimas e sanções acessórias, podendo, ainda, tal como a Câmara Municipal, solicitar ao Turismo de Portugal a realização de vistorias, e a Autoridade Tributária fiscaliza o cumprimento das obrigações tributárias.
Presume-se (iuris tantum) a existência de uma exploração e intermediação de estabelecimento de alojamento local quando um imóvel, ou uma sua fracção autónoma, é publicitado na internet como alojamento ou esteja mobilado e equipado e seja oferecido ao público em geral, para além da dormida, serviços complementares ao alojamento, como por exemplo, a limpeza ou recepção, por períodos inferiores a 30 dias.
Mas o que é um estabelecimento de alojamento local?
Por definição legal são todos os que “prestam serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, e que reúnam os requisitos” previstos na lei.
Daqui se conclui que se aplica só a TURISTAS. E, então, todos aqueles que, por razões de ordem profissional, necessitam de se deslocar para longe do lar e, consequentemente, hospedarem-se? Onde o poderão fazer?
Não nos estabelecimentos de hotelaria, porque destinados, nos termos da lei vigente, exclusivamente a turistas.
Porém, não será necessariamente assim, porque o legislador, embora dizendo que é para turistas, em alguns pontos do diploma fala em “alojamento temporário oferecido ao público em geral”.
Em que ficamos, então?
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Nota: cfr. DL 39/2008, de 7 de Março, que criou o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, e o DL 128/2014, de 29 de Agosto, que criou o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local.

IN Jornal de Matosinhos nº 1760, de 12 de Setembro de 2014


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

DIREITOS SOCIAIS

O Estado de Direito Social é o resultado de uma longa evolução do Estado Liberal e, consequentemente, é parte da História do Estado de Direito, na medida em que incorpora os direitos sociais ao lado dos direitos civis.
Sob o ponto de vista histórico, o Estado de Direito Social é um modelo de sociedade que nasce numa contradição histórica, porquanto se afirma em três experiências políticas diferentes, se não mesmo opostas, e tem como resultado directo a produção de três documentos, também diversos entre si, mas complementares:
1 – A Revolução Mexicana – a Constituição Mexicana de 1917;
2 – A Revolução Russa de 1917, com a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, em 1918;
3 – A reconstrução Alemã após a I Guerra Mundial – a Constituição da República de Weimar (1919) que é, por si só, um ícone da Social-Democracia.
Tinham nascido os direitos sociais e laborais como direitos fundamentais da pessoa humana sob a égide do Estado, enquanto provedor das garantias institucionais dos direitos sociais e laborais com um perfil fortemente marcado pelo proteccionismo social.
Em plena Grande Depressão, levantaram-se vozes defendendo que as políticas sociais não eram meramente uma questão de redistribuição de rendimentos, mas eram uma questão vital para o desenvolvimento económico, já que tinham como objectivo fundamental o aumento do PIB. As políticas sociais passaram, portanto, a ser vistas como um investimento e não como um custo.
No pós-Guerra, outro passo importante foi o nascimento da ONU, a 24 de Outubro de 1945, como indicativo de que os Direitos Humanos deveriam reger as relações políticas, internas e externas. E, em 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que veio assegurar os direitos sociais e confirmar o fluxo civilizacional que se impôs com o final da II Grande Guerra, ainda que estivesse em curso o longo período da Guerra Fria. Em 1966, foi aprovado o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas.
Como parte dessa relação histórica há, ainda, um outro pólo ideológico: o Estado Social em que o desenvolvimento dos direitos sociais e laborais fundamentais serve-lhe de apoio para distanciar-se ideologicamente do modelo do capitalismo puro e duro, agora modelado e definido como um modelo avançado do Estado Liberal e capitalista, como alternativa ao Liberalismo que se propusera substituir, com o nascimento fulgurante do Neoliberalismo e da globalização ou a internacionalização do capital financeiro.
O Estado de Direito Social patrocina um acordo entre três partes: os trabalhadores (o proletariado) representados pelos sindicatos, o patronato e o Estado, enquanto terceiro imparcial, como mediador de conflitos, que intervém apenas e na medida do necessário para resolver os diferendos.
O Estado Social nasceu, como vimos, na década de 1920, como necessidade imperiosa e por pressão das reclamações não apenas das massas trabalhadoras como também por pressões da Igreja Católica, tendo, praticamente terminado nos anos de 1980, com a crise petrolífera, com o aumento brusco dos preços do petróleo por pressão dos países da OPEP. Até aos anos 80, este processo levou a anos de crescimento económico, ano em que Margareth Tatcher afirmou que o Estado deixaria de ter condições económicas para sustentar o Estado-Providência.
Esta crise é inegável e surgem correntes, segundo as quais a razão é:
» O excesso de intervenção e controlos estatais sobre as empresas e sobre a economia;
» O excesso de democracia e do controlo público sobre as empresas e sobre a economia;
» A existência de vários grupos que lutam pelo poder e pelo controlo da economia: para chegarem ao poder prometem cada vez mais, o que conduz ao aumento contínuo da despesa pública.
De que Direitos, afinal, falamos?
De entre os Direitos Civis, Direitos políticos e Direitos sociais, destacamos:
·        Direito à vida;
·        Direito à liberdade (inclui a proibição da escravatura);
·        Direito à segurança pessoal, incluindo a proibição da tortura, e penas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes;
·        Direito ao recurso aos Tribunais;
·        Igualdade perante a Lei;
·        Presunção de inocência até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
·        Direito de circulação e de livre escolha de residência;
·        Direito à emigração e ao regresso ao seu país de origem;
·        Direito, em caso de perseguição política, religiosa ou outra, a procurar e a beneficiar de asilo noutros países;
·        Direito a uma nacionalidade;
·        Direito ao casamento e à constituição de família;
·        Direito à propriedade privada;
·        Direito à liberdade de pensamento, de consciência e de culto;
·        Direito à liberdade de opinião e de expressão;
·        Direito à liberdade de reunião e de associação;
·        Direito a tomar parte na política do seu país;
·        Direito de acesso à Função Pública;
·        Direito à Segurança Social (satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, de harmonia com a organização e recursos do país);
·        Direito ao trabalho e à livre escolha do trabalho e à protecção contra o desemprego;
·        Direito a criar sindicatos e a filiar-se em sindicatos;
·        Direito ao repouso e ao lazer e a férias periódicas pagas;
·        Direito a um nível de vida que assegure a si e à sua família saúde e bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e medicamentosa;
·        Direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice e noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade;
·        Direito à educação.

IN Jornal de Matosinhos nº 1759, de 5 de Setembro de 2014