sexta-feira, 27 de março de 2015

QUE JUSTIÇA? 3

Nas sociedades hodiernas politicamente organizadas, sob a forma de um Estado de Direito, a prática de um facto delituoso desencadeia um conjunto de actos que os poderes públicos desencadearão com vista a aplicar a consequência jurídica prevista, no momento da prática do facto, a quem for responsável, tudo em conformidade com as circunstâncias concorrentes no caso concreto.
Essa prossecução penal é a abertura de processo penal que sirva como trâmite para que se dite uma decisão judicial – uma sentença condenatória ou absolutória.
Para isso, é sempre necessário que se realizem determinados actos preliminares, dirigidos em dois sentidos: uma investigação e uma garantia.
Investigar, no sentido de, após ter conhecimento do facto praticado, das circunstâncias relevantes e da pessoa a quem se poderá imputar a prática do facto, juntando provas que permitam convencer terceiros imparciais da certeza das informações colhidas.
Garantir que as fontes das provas se conservem.
Ora, para que isso seja possível, a fase preliminar caracteriza-se por ser secreta ou por poder ser declarada secreta. Mas esse secretismo não pode nunca recair sobre o facto delituoso que é objecto de investigação. 
A necessidade da existência do segredo de justiça, nos nossos dias, está directamente ligada com os meios ao dispor da comunicação social, o seu número e a concorrência daí resultante.
Obviamente que a publicidade da investigação não compromete o fim da própria investigação mas pode ameaçar a presunção de inocência dos arguidos ou a segurança das vítimas ou das testemunhas. Por outro lado, pode comprometer a imparcialidade dos julgadores que são bombardeados, por diferentes vias (televisão, jornais, internet), sobre os factos que hão-de julgar.
Antes do advento da televisão privada, nos idos dos anos 80 do século passado, a imprensa não dava quaisquer notícias relevantes de casos ocorridos.
Depois disso, com vista ao aumento das audiências, foi claramente visto como as polícias, diante das câmaras das TV’s, actuavam: entrando nas habitações dos “criminosos” e prendendo-os. A sua entrada nos calabouços. A sua entrada em Tribunal.
E ninguém achou escandalosa a actuação da comunicação social!
Eram apenas membros do Povo anónimo, residentes em bairros problemáticos da Grande Lisboa ou do Grande Porto. Era gente anónima sem importância social.
Ninguém falou na dignidade da pessoa humana.
Ninguém falou na igualdade de direitos.
Ninguém falou na presunção da inocência.
Quando as TV’s mostraram, em directo, um dirigente de um clube desportivo a sair de um estabelecimento prisional para, depois de estar em liberdade uns escassos segundos, voltar a ser preso na via pública, ninguém se escandalizou!
Nos últimos tempos, com a prisão preventiva de um político, todos, sem excepção, vieram a terreiro falar na presunção de inocência. E que, portanto, ninguém deveria pôr em causa a honestidade do arguido e que o processo está em segredo de justiça.
Com o recém-acontecimento com um Banco, alguns políticos, os mesmos que são contra a condenação na praça pública, vieram a terreiro condenar o banqueiro, sem esperar pelo trânsito em julgado de uma decisão judicial. Chamaram-lhe de tudo, até biltre.
Contra um político – membro da coligação governamental – contra quem não corre qualquer processo judicial, são lançadas todas as atoardas sobre a compra de material de guerra.
É esta hipocrisia – a condenação na praça pública dos agentes da outra cor política e defender, até a exaustão, os da mesma cor – que leva o Povo a afastar-se cada vez mais da política e a dizer que todos os políticos são farinha do mesmo saco. São todos iguais. São todos corruptos.

IN Jornal de Matosinhos nº 1788, de 27 de Março de 2015



sexta-feira, 20 de março de 2015

QUE JUSTIÇA? 2

O destino do dinheiro dos nossos impostos – pagos com o suor do rosto de quem auferiu rendimentos pelo seu trabalho – é cada vez mais um mistério.
As despesas de um Estado insaciável não param de aumentar e os custos dos serviços são cada vez maiores, sendo cada vez mais os pagamentos feitos para além dos impostos e taxas pagos.
Qualquer livro de Direito, quando aborda a problemática da discussão entre taxas e impostos, ensina vários exemplos de impostos que são denominados taxas, sendo as taxas de justiça e a taxa militar os exemplos dados. São impostos porque não existe aquele nexo sinalagmático entre o pagamento do preço e os serviços directamente prestados aos cidadãos.
Na Justiça, o imposto denominado taxa de justiça, começou por ser pago no final pela parte que perdesse ou na respectiva proporção.
Com a necessidade de mais verbas, o Estado determinou que as custas passassem a ser pagas à cabeça, isto é, com a entrada em Tribunal do pedido (seja ele qual for) e com a contestação (resposta da parte demandada), e não já paga no final do processo pela parte que perdesse a acção.
Para além do pagamento prévio do imposto por ambas as partes do processo, o seu valor teve um aumento escandaloso, tornando o acesso à Justiça cada vez mais longe do cidadão comum.
Para o Painel de Avaliação da Justiça na União (Europeia, entenda-se), a Justiça em Portugal é “lenta e cara”.
Cara porque, para além das custas pagas pelos cidadãos, custa ao Erário Público 0,4% do PIB, montante idêntico ao da Alemanha e da Espanha (convém, neste ponto, ter em conta o poder aquisitivo dos cidadãos de cada um destes países da União).
Lenta porque, em 2010, um processo demorava cerca de 1.100 dias; em 2012, já era “apenas” de 900 dias. Convém lembrar que um ano tem 365 dias!
Para que a Justiça não seja tão cara, deveria ser tomada uma medida simples que o Reino de Espanha já tomou: as taxas de justiça foram abolidas para os cidadãos, estando em estudo a abolição para as pequenas empresas. Ou, em alternativa, a abertura em cada um dos municípios de um Julgado de Paz.
Como tal medida traria, como consequência imediata não apenas a diminuição de receitas mas também o aumento exponencial de processos judiciais porque a sociedade portuguesa está cada vez mais litigiosa porque inúmeros cidadãos se afastaram da Justiça, pelo que abundam os abusos e a prepotência por parte de muitos cidadãos porque sabem que os mais pobres terão que os engolir por, por insuficiência económica, não poderem ir a Tribunal.
E não venham com o apoio judiciário porque é apenas para uma franja diminuta da população que, por definição legal, a ela tem acesso. Todos os demais têm de pagar as custas iniciais, de montante avultadíssimo. 
Se assim fosse – as custas serem pagas, a final, na totalidade pela parte que perdesse a acção – estou convicto que os litígios seriam em grande parte resolvidos antes das acções darem entrada nos Tribunais.
Ao menos, no Reino da Espanha, como ut supra, o assunto já foi resolvido pelo respectivo Governo, que, também como o nosso, luta com dificuldades orçamentais: as taxas de justiça foram abolidas para os cidadãos, estando em estudo a abolição para as pequenas empresas.
Para que haja uma verdadeira democracia não se pode negar o acesso à Justiça aos cidadãos! Sejam eles quem forem.


IN Jornal de Matosinhos nº 1787, de 30 de Março de 2015

sexta-feira, 13 de março de 2015

QUE JUSTIÇA? (1)

Sobre o problema da penhora dos bens alimentares de uma associação com vista à sua doação a famílias carenciadas, não posso deixar de estranhar o muito que foi dito e escrito na comunicação social sem que nunca o cerne da questão fosse abordado – não foi abordado o problema central: pode uma autoridade administrativa exercer funções jurisdicionais?
Podem, face à Constituição da República, os serviços administrativos penhorar bens e vendê-los?
E, no exercício das suas funções, cumprem a Lei?
À luz da Lei – artigo 736º, c), do Código de Processo Civil – são impenhoráveis os bens cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careçam de justificação económica, pelo seu diminuto valor venal. Ora, penhorar alimentos de uma associação que existe apenas para auxiliar os mais desfavorecidos ofende os bons costumes. Além disso, sendo bens perecíveis, o seu valor venal, passados uns dias, é praticamente zero, porque apodrecerão.
Segundo a minha experiência, nenhum Juiz de Direito ordenaria a penhora de bens alimentares perecíveis, fossem ou não, destinados a serem doados.
Isto surgiu porque as autoridades administrativas querem mostrar serviço e, como tal, fazem o que fazem!
E por isso não resisto a republicar a minha opinião de 2011, sobre as “penhoras administrativas
Os processos de execução fiscal que correm os seus termos nos Serviços de Finanças, nas Câmara Municipais e na Segurança Social serão processos administrativos ou judiciais?
Se são da competência da administração, enquanto órgão executivo cujo vértice é o Governo (art.º 185º da Constituição da República Portuguesa), não deixam de ser processos administrativos. No entanto, não tenho grandes dúvidas se o processo “a se” não é ele mesmo processo judicial.
É que a incompetência territorial em processo judicial (art.º 46º Código de Processo Tributário) só pode ser arguida até findar o prazo de oposição, que é de 20 dias após a citação ou a primeira penhora (art.º 285º CPT), é porque o próprio processo de execução fiscal é judicial e, consequentemente, deveria correr os seus termos num Tribunal Administrativo e Fiscal.
Se se considerar que o processo de execução fiscal é um puro processo administrativo [que não é, como se viu], certos actos praticados pelo Chefe dos Serviços de Finanças, enquanto autoridade administrativa, são actos judiciais, como é o caso paradigmático da penhora e da posterior venda que é anunciada como sendo “venda judicial por meio de proposta por carta fechada” e, se o não for, como “venda extrajudicial por negociação particular”.
A penhora é um acto judicial (cfr. artigo “Penhora” in “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira” e in “Grande Dicionário de Língua Portuguesa” da Sociedade de Língua Portuguesa, editado por Amigos do livro editores (1981) e Ana Prata, in “Dicionário Jurídico”, Pereira e Sousa, citado por José Alberto dos Reis, in “Processo de Execução”, vol 2, pág. 89, Castro Mendes, in “Acção Executiva”, edição da AAFDL (1980), pág. 73, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 2ª edição, 1º Vol, pág. 97, Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 2ª edição, pág. 50, Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 3ª edição, pág. 706).
E como tal tem que ser ordenada por um Juiz, sob pena de usurpação de poderes (Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, 10ª edição (reimpressão), tomo I, pág. 498), pois a penhora subtrai os bens a ela sujeitos à esfera jurídica do executado (art.º 819º CC).
E tanto assim é, que o arresto em bens do executado tem de ser ordenado pelo juiz do Tribunal Administrativo e Tributário para posterior conversão, pelo próprio Juiz, em penhora (cfr. art.º 136 e 214º CPPT). É que o arresto, tal como a penhora, também é um acto judicial (Pires de Lima e Antunes Varela, in “Noções Elementares de Direito Civil”, 4ª edição, 1º vol, pág. 385, Palma Carlos, in Direito Processual Civil – Acção Executiva” (1967), pág. 121, Almeida Costa, in Direito das Obrigações”, 3ª edição, pág. 612).
Assim, não faz sentido que um arresto, uma apreensão de bens, tenha de ser ordenado pelo Tribunal e a penhora, apreensão de bens para posterior venda, afastando o seu proprietário de os poder dispor a seu bel-prazer, pois que tais actos são ineficazes face ao exequente (art.º 815º CC), possa ser efectuado pelo Chefe dos Serviços de Finanças – autoridade administrativa.
Ora, se o chefe dos Serviços de Finanças não pode praticar o menos (o arresto) também não poderá praticar o mais (a penhora).
É certo que na vigência do revogado Código de Processo das Contribuições e Impostos, o, ao tempo, Chefe da Repartição de Finanças tinha poderes para mandar proceder à penhora. Mas ali, fazia-o, não como chefe de Repartição de Finanças, mas como Juiz-Auxiliar (art.º 40º, § único, do revogado CPCI).
Agora, actua apenas, enquanto Chefe dos Serviços de Finanças, como autoridade administrativa, pois aquela figura do “juiz-auxiliar” foi banida do Código de Processo Tributário (cfr. o último parágrafo, in fine, do relatório preambular do Decreto-Lei nº 154/90, de 23 de Abril, que aprovou o CPT, e do CPPT, aprovado pelo DL 433/99, de 26 de Outubro).
Assim  sendo, como é, o art.º 193º do CPPT é inconstitucional por permitir que uma autoridade administrativa, parte interessada no pleito [não actua como um terceiro imparcial], ordene a penhora, subtraindo os bens a executado, para, posteriormente, proceder à sua venda judicial.
os tribunais devem exercer a função de declarar e realizar coercivamente os direitos” (Jorge Miranda, in “Manual de Direito Constitucional”, tomo IV, pág. 254 – sublinhados meus) porquanto os Tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a Justiça em nome do Povo em obediência ao princípio político-constitucional da separação de poderes, pedra de toque do Estado de Direito Democrático baseado na divisão tripartida de poderes que é o “princípio fundamental da Constituição” (Hesse, citado por J. J. Gomes Canotilho in “Direito Constitucional”, 3ª edição, pág. 314).
A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Fevereiro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 1999, no seu artigo 103º, nº 1, vem, finalmente(!), dizer, preto no branco, que “o processo de execução fiscal tem natureza judicial, em prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional”. E o nº 2 do mesmo artigo salienta que é “garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do artigo anterior”.
E na senda desta arrepiante desjudicialização da justiça tributária, foi alterado o nº 2 do artigo 245º CPPT pelo artigo 126º da Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, no sentido de, agora, serem os senhores Chefes dos Serviços de Finanças a verificarem e graduarem os créditos após as vendas “judiciais” dos bens dos devedores ao Fisco.
Segundo a melhor hermenêutica, os senhores chefes dos Serviços de Finanças, no uso das suas competências, podem praticar actos (administrativos, claro!) nos processos de execução fiscal, deles ficando afastada a possibilidade prática de actos jurisdicionais, como sejam a penhora e a venda de bens e a verificação e graduação dos créditos. E dos actos (administrativos) por eles praticados cabe recurso para o Juiz da execução.
O princípio da legalidade, da consagração constitucional, impõe que a actuação da administração fiscal o seja no mais rigoroso cumprimento da lei positiva, como o são as normas constantes dos diplomas aprovados, referendados e publicados no Diário da República.
Se assim é, efectivamente, num Estado de Direito Democrático, como o é a República Portuguesa, onde estão os órgãos aos quais cumpre a fiscalização do cumprimento das leis por banda de todas as autoridades administrativas?
É que basta olhar-se para as páginas dos jornais para se verem anunciadas centenas de “vendas judiciais” pelas autoridades administrativas – Serviços de Finanças, Câmaras Municipais e Segurança Social – ao arrepio da Lei (e da Constituição) e sem que haja intervenção de quem de Direito.
O Povo, em nome de quem são sempre feitas as leis, anda incrédulo: afinal as lei impressas na Folha Oficial são, ou não, para serem cumpridas como nelas se contém? É a República Portuguesa um Estado de Direito Democrático assente na divisão tripartida de poderes e no respeito pela Constituição e pelas leis ou é, como está, agora, em moda dizer-se, uma “república das bananas”?

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Nota: o legislador anda muito distraído: a Lei 55-A/2010 ainda fala em “Tribunais Tributários de 1ª Instância” quando, há muito, foram substituídos pelos Tribunas Administrativos e Fiscais!

IN Jornal de Matosinhos nº 1786, de 13 de Março de 2015



ÁREA METROPOLITANA DO PORTO

Ao longo dos anos, o conceito de Grande Porto foi mudando ao sabor das correntes políticas com vista à obtenção de força no concerto nacional, isto é, contra o poder concentracionário lisboeta.
Mas, porque essa união é artificial, os objectivos nunca foram nem serão atingidos.
É que o Grande Porto passou a abranger municípios que nada, mas mesmo nada, têm a ver com o Porto – dele estão afastados algumas dezenas de quilómetros e a descontinuidade geográfica é patente.
De facto, o que une Arouca, Espinho, Oliveira de Azeméis, Paredes, Póvoa de Varzim, Santa Maria da Feira, Santo Tirso, São João da Madeira, Trofa, Vale de Cambra e Vila do Conde a Gondomar, à Maia, a Matosinhos, ao Porto e a Valongo e a Vila Nova de Gaia?
Não existem, por exemplo, infra-estruturas comuns a todos eles, como por exemplo transportes públicos que unam os centros cívicos de todos os municípios que constituem a área Metropolitana do Porto.
Surgiu, agora, a Frente Atlântica que, por sua vez, integra, dos 17 municípios da Área Metropolitana do Porto apenas três – Matosinhos, Porto e Vila Nova de Gaia – com um argumento velho de séculos quando é oportuno. É que a política tem razões que a razão desconhece: descobriram, finalmente!, que há uma descontinuidade geográfica na orla marítima portuguesa. Isto é, segundo os mapas, não há contiguidade entre Espinho e Vila Nova de Gaia e entre Vila do Conde e Póvoa de Varzim com Matosinhos. E assim é, de facto.
Tal como não existe uma contiguidade geográfica entre o Grande Porto com Arouca, Espinho, Oliveira de Azeméis, Paredes, Póvoa de Varzim, São João da Madeira, Trofa, Vale de Cambra, Vila do Conde.
Basta olhar-se para um bom mapa para saltar aos olhos que a construção da Área Metropolitana do Porto é puramente política, artificial, portanto, já que nada há que una esses municípios.
A conurbação é um conceito geográfico sério para ser levado com seriedade pelos políticos. Mas não o é (*). E depois, quando surgem as oportunidades na defesa de interesses que só a alguns dizem respeito, os outros são postergados com argumentos interessantes, “deitando-se às urtigas” os valores que conduziram à união anterior.

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(*) Conurbação é um conceito geográfico para designar o fenómeno derivado da expansão da malha urbana que vai ocupando os terrenos adjacentes às cidades a ponto de as unirem, constituindo uma única malha urbana como se fosse apenas uma cidade. Os limites municipais deixam de ser apercebidos e começam a ser utilizados conjuntamente as mesmas infra-estruturas e os mesmos serviços.
É o que acontece, por exemplo, quem sai do Porto, da Areosa, pela Av. D. Afonso Henriques: passa pelos municípios de Porto, Gondomar, Maia e Valongo sem que disso se dê conta. E na Estrada da Circunvalação: quem nela circula não sabe quando sai de Matosinhos e entra no Porto ou em Gondomar. Ou quem sai da Foz Velha e entre em Matosinhos-Sul não se apercebe que mudou de município.


IN Jornal de Matosinhos nº 1784, de 27 de Fevereiro de 2015

AUSTERIDADE


O termo “austeridade” tem sido, ultimamente, muito utilizado, quando se discutem as dívidas soberanas dos países, nomeadamente dos europeus.
Mas o que significa, no campo da economia, o termo austeridade?
Antes de mais, sem rigor das despesas públicas os sucessivos défices orçamentais são preenchidos com a obtenção de empréstimos que se vão acumulando, chegando a um ponto tal em que o pagamento das dívidas aos credores  se torna verdadeiramente insuportável.
Pode ser utilizado, igualmente com o mesmo rigor científico, no âmbito das despesas privadas, quer das famílias quer das empresas.
Todos sabemos que não podemos gastar mais do que auferimos, isto é, ninguém, mesmo ninguém, pode consumir mais que do recebe (nas famílias), ou arrecada de impostos (nos Estados) ou factura (nas empresas). Quando isso acontece – isto é, quando as verbas que saem são superiores às que vão entrando – só com a obtenção de empréstimos é possível equilibrar as finanças. Mas isso obriga a encargos suplementares com a amortização do capital e dos juros. E assim sendo, como é, esses encargos suplementares obrigam a uma contenção dos outros gastos para que as finanças familiares/empresariais/municipais/estaduais/nacionais não entrem em ruptura, ou, como agora se diz, em default.
Uma boa gestão das finanças familiares ou empresariais ou municipais ou estaduais ou nacionais obriga a uma renegociação constante dos débitos, jogando com a obtenção de novos empréstimos, caso os juros sejam mais favoráveis, para com estes se amortizarem outras dívidas que tenham juros mais altos.
Mas claro está que a obtenção de empréstimos sucessivos fará com as que verbas destinadas às outras despesas vão diminuindo, isto é, corta-se nas outras rubricas orçamentais. E entra-se, então, na austeridade, no corte das despesas familiares, nas despesas empresariais e nas despesas públicas.
Se as famílias que entram em ruptura financeira estão em insolvência, tal como as empresas, o mesmo acontece aos Municípios e aos Estados. 
E as notícias mostram que um Município nos Estados Unidos – Detroit – entrou em insolvência e um País também o está: a Argentina.
Claro que a austeridade – cortes das despesas com vista à diminuição do défice – conduzirá ao empobrecimento das populações por via de várias medidas: diminuição de salários e pensões e diminuição do investimento, o que, por sua vez, aumenta o desemprego.
E, para que isso não acontece, as famílias, as empresas, os Municípios e os Estados devem ter as suas finanças equilibradas, isto é, gastar apenas aquilo que podem, obtendo empréstimos somente para a aquisição de bens e de serviços produtivos, geradores, portanto, de riqueza.

IN Jornal de Matosinhos nº 1783, de 20 de Fevereiro de 2015