Nas sociedades hodiernas politicamente organizadas, sob a
forma de um Estado de Direito, a prática de um facto delituoso desencadeia um
conjunto de actos que os poderes públicos desencadearão com vista a aplicar a
consequência jurídica prevista, no momento da prática do facto, a quem for
responsável, tudo em conformidade com as circunstâncias concorrentes no caso
concreto.
Essa prossecução penal é a abertura de processo penal que
sirva como trâmite para que se dite uma decisão judicial – uma sentença
condenatória ou absolutória.
Para isso, é sempre necessário que se realizem
determinados actos preliminares, dirigidos em dois sentidos: uma investigação e
uma garantia.
Investigar, no sentido de, após ter conhecimento do facto
praticado, das circunstâncias relevantes e da pessoa a quem se poderá imputar a
prática do facto, juntando provas que permitam convencer terceiros imparciais
da certeza das informações colhidas.
Garantir que as fontes das provas se conservem.
Ora, para que isso seja possível, a fase preliminar
caracteriza-se por ser secreta ou por poder ser declarada secreta. Mas esse
secretismo não pode nunca recair sobre o facto delituoso que é objecto de
investigação.
A necessidade da existência do segredo de justiça, nos
nossos dias, está directamente ligada com os meios ao dispor da comunicação
social, o seu número e a concorrência daí resultante.
Obviamente que a publicidade da investigação não
compromete o fim da própria investigação mas pode ameaçar a presunção de
inocência dos arguidos ou a segurança das vítimas ou das testemunhas. Por outro
lado, pode comprometer a imparcialidade dos julgadores que são bombardeados,
por diferentes vias (televisão, jornais, internet), sobre os factos que hão-de
julgar.
Antes do advento da televisão privada, nos idos dos anos
80 do século passado, a imprensa não dava quaisquer notícias relevantes de
casos ocorridos.
Depois disso, com vista ao aumento das audiências, foi
claramente visto como as polícias, diante das câmaras das TV’s, actuavam:
entrando nas habitações dos “criminosos” e prendendo-os. A sua entrada nos
calabouços. A sua entrada em Tribunal.
E ninguém achou escandalosa a actuação da comunicação
social!
Eram apenas membros do Povo anónimo, residentes em
bairros problemáticos da Grande Lisboa ou do Grande Porto. Era gente anónima
sem importância social.
Ninguém falou na dignidade da pessoa humana.
Ninguém falou na igualdade de direitos.
Ninguém falou na presunção da inocência.
Quando as TV’s mostraram, em directo, um dirigente de um
clube desportivo a sair de um estabelecimento prisional para, depois de estar
em liberdade uns escassos segundos, voltar a ser preso na via pública, ninguém se
escandalizou!
Nos últimos tempos, com a prisão preventiva de um
político, todos, sem excepção, vieram a terreiro falar na presunção de
inocência. E que, portanto, ninguém deveria pôr em causa a honestidade do
arguido e que o processo está em segredo de justiça.
Com o recém-acontecimento com um Banco, alguns políticos,
os mesmos que são contra a condenação na praça pública, vieram a terreiro
condenar o banqueiro, sem esperar pelo trânsito em julgado de uma decisão
judicial. Chamaram-lhe de tudo, até biltre.
Contra um político – membro da coligação governamental –
contra quem não corre qualquer processo judicial, são lançadas todas as
atoardas sobre a compra de material de guerra.
É esta hipocrisia – a condenação na praça pública dos
agentes da outra cor política e defender, até a exaustão, os da mesma cor – que
leva o Povo a afastar-se cada vez mais da política e a dizer que todos os
políticos são farinha do mesmo saco. São todos iguais. São todos corruptos.
IN Jornal de Matosinhos nº
1788, de 27 de Março de 2015
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