sexta-feira, 15 de agosto de 2014

ACORDO ORTOGRÁFICO

         Sem base legal, a Função Pública e muitos jornais e revistas têm vindo a aplicar as novas grafias resultante do Acordo (que não está em vigor, repito) sem que, segundo parece, alguma vez os respectivos autores o tenham lido.
Um jornalista, também presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, manifestou-se contra o Acordo Ortográfico: “fica agora por saber qual vai ser a língua que o Governo se propõe internacionalizar. Será a dos “espectadores” ou dos “espetadores” (sic) in Público de 5 de janeiro de 2013, página 46.
De facto, os autores, os jornais e as televisões que adoptaram o acordo ortográfico deviam, ao menos, ter o cuidado de o ler porque, com base na pronúncia culta diz-se e escreve-se “espectadores”, tal como “de facto”, “pacto” e “contacto”.
         Segundo a Base IV do acordo ortográfico:
1.º O c, com valor de oclusiva velar, das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct, e o p das sequências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam, ora se eliminam.
Assim:
a) Conservam-se nos casos em que são invariavelmente proferidos nas pronúncias cultas  da língua: compacto, convicção, convicto, ficção, friccionar, pacto, pictural; adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto;
b) Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua: ação, acionar, afetivo, aflição, aflito, ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção; adoção, adotar, batizar, Egito, ótimo;
c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor; ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;
d) Quando, nas sequências interiores mpc, mpç e mpt se eliminar o p de acordo com o determinado nos parágrafos precedentes, o m passa a n, escrevendo-se, respectivamente, nc, nç nt: assumpcionista e assuncionista; assumpção e assunção; assumptível e assuntível; peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso, sumptuosidade e suntuosidade.
2.º Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: o b da sequência bd, em súbdito; o b da sequência bt, em subtil e seus derivados; o g da sequência gd, em amígdala, amigdalácea, amigdalar, amigdalato, amigdalite, amigdalóide, amigdalopatia, amigdalotomia; o m da sequência mn, em amnistia, amnistiar, indemne, indemnidade, indemnizar, omnímodo, omnipotente, omnisciente, etc.; o t da sequência tm, em aritmética e aritmético.
Os termos a negrito são da pronúncia culta da Língua Portuguesa.
Instalou-se a confusão porque se não tem em linha de conta o radical da palavra! Sem o radical, sem a raiz, as palavras ficam soltas, não havendo interligação entre si. De facto, faz sentido o egípcio ser natural do Egito? O que distingue a acessão de aceção? Como distinguir recessão de receção? Como distinguir para de para? De pelo de pelo? Pelo contexto? Só?
Como escrever correctamente, então?
Já a anterior abolição do trema trouxe a alteração da pronúncia, dificultando a compreensão das palavras ouvidas: argüido, argüir, seqüestrar, seqüestro, seqüestrado. Alguns falantes não se dão ao trabalho de consultar um bom dicionário para saber como pronunciar correctamente uma palavra certa e determinada.
Qual o plural de acordo (substantivo e não a flexão de acordar)? Comummente ouve-se acórdos! Ora, o plural do substantivo acôrdo é acôrdos! Tal como acêrto (substantivo) se distingue do acérto (flexão do verbo acertar). Esgôto (substantivo) e esgóto (flexão do verbo esgotar). E tantos exemplos haverá a dar.
As palavras seguintes não são sinónimas – na oralidade não há dúvidas, mas escritas … :
·        Mais-valia e mais valia (v.g. as mais-valias obtidas não são tributadas; mais valia estares calado!);
·        Primeiro-ministro e primeiro ministro (o primeiro ministro a chegar foi o da economia, enquanto o primeiro-ministro foi o último);
·        Pé-de-atleta e pé de atleta (o João tem pé-de-atleta; aquele corredor tem um perfeito pé de atleta);
·        Obra-prima e obra prima (a estátua é uma autêntica obra-prima; aquela pintura foi a sua obra prima);
·        Dias da semana – Segunda-Feira, Terça-Feira, Quarta-Feira, Quinta-Feira, Sexta-Feira (na próxima Quarta-Feira abre a Segunda Feira Internacional de …; ontem, Quinta-Feira, encerrou a Sexta Feira Nacional da Agricultura).
Não obstante as boas intenções dos defensores do Acordo Ortográfico, as Línguas de Portugal e do Brasil vão-se distanciando, bastando estar atento ao que se escreve nos dois lados do Atlântico, porque a Língua é feita, no dia-a-dia, pelo Povo e não pelas elites.
Creio que, dentro de alguns anos, um avô venha a ter dificuldades em entender o que lhe vai dizer o neto!

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(*) Ainda não foi publicado no Diário da República o diploma que aprova e põe em vigor na ordem jurídica portuguesa o Acordo Ortográfico de 1990

IN Jornal de Matosinhos nº 1756, de 15 de Agosto de 2014


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