Sem base legal, a Função
Pública e muitos jornais e revistas têm vindo a aplicar as novas grafias
resultante do Acordo (que não está em vigor, repito) sem que, segundo parece,
alguma vez os respectivos autores o tenham lido.
Um jornalista, também presidente da Sociedade Portuguesa de Autores,
manifestou-se contra o Acordo Ortográfico: “fica
agora por saber qual vai ser a língua que o Governo se propõe
internacionalizar. Será a dos “espectadores” ou dos “espetadores” (sic) in
Público de 5 de janeiro de 2013, página 46.
De facto, os autores, os jornais e as televisões que adoptaram o acordo
ortográfico deviam, ao menos, ter o cuidado de o ler porque, com base na pronúncia culta diz-se e escreve-se
“espectadores”, tal como “de facto”, “pacto” e “contacto”.
Segundo a Base IV do acordo
ortográfico:
1.º O c, com valor de oclusiva
velar, das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct,
e o p das sequências interiores pc
(c com valor de sibilante), pç e pt, ora
se conservam, ora se eliminam.
Assim:
a) Conservam-se nos casos
em que são invariavelmente proferidos
nas pronúncias cultas da língua: compacto, convicção, convicto, ficção, friccionar, pacto, pictural; adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto;
b) Eliminam-se nos casos
em que são invariavelmente mudos nas
pronúncias cultas da língua: ação, acionar, afetivo, aflição, aflito,
ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção; adoção, adotar,
batizar, Egito, ótimo;
c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral quer
restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o
emudecimento: aspecto e aspeto,
cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e
fato, sector e setor; ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e
corruto, recepção e receção;
d) Quando, nas sequências interiores mpc, mpç e mpt se eliminar o p de
acordo com o determinado nos parágrafos precedentes, o m passa a n, escrevendo-se,
respectivamente, nc, nç nt: assumpcionista e assuncionista; assumpção e assunção;
assumptível e assuntível; peremptório
e perentório, sumptuoso e suntuoso, sumptuosidade
e suntuosidade.
2.º Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta,
quer geral, quer restritamente, ou
então quando oscilam entre a prolação
e o emudecimento: o b da sequência bd, em súbdito; o b da sequência bt, em subtil e seus derivados; o g da sequência gd, em amígdala, amigdalácea, amigdalar, amigdalato, amigdalite, amigdalóide,
amigdalopatia, amigdalotomia; o m da sequência mn, em amnistia, amnistiar, indemne, indemnidade, indemnizar,
omnímodo, omnipotente, omnisciente,
etc.; o t da sequência tm, em aritmética
e aritmético.
Os termos a negrito são da pronúncia
culta da Língua Portuguesa.
Instalou-se a confusão porque se não tem em linha de conta o radical da
palavra! Sem o radical, sem a raiz, as palavras ficam soltas, não havendo
interligação entre si. De facto, faz sentido o egípcio ser natural do Egito? O
que distingue a acessão de aceção? Como distinguir recessão de receção? Como
distinguir para de para? De pelo de pelo? Pelo contexto? Só?
Como escrever correctamente, então?
Já a anterior abolição do trema trouxe a alteração da pronúncia,
dificultando a compreensão das palavras ouvidas: argüido, argüir, seqüestrar,
seqüestro, seqüestrado. Alguns falantes não se dão ao trabalho de consultar um bom
dicionário para saber como pronunciar correctamente uma palavra certa e
determinada.
Qual o plural de acordo (substantivo e não a flexão de acordar)? Comummente
ouve-se acórdos! Ora, o plural do substantivo acôrdo é acôrdos! Tal como acêrto
(substantivo) se distingue do acérto (flexão do verbo acertar). Esgôto
(substantivo) e esgóto (flexão do verbo esgotar). E tantos exemplos haverá a
dar.
As palavras seguintes não são sinónimas – na oralidade não há dúvidas, mas
escritas … :
·
Mais-valia e mais valia (v.g. as mais-valias obtidas não são tributadas;
mais valia estares calado!);
·
Primeiro-ministro e primeiro ministro (o primeiro ministro a chegar foi o
da economia, enquanto o primeiro-ministro foi o último);
·
Pé-de-atleta e pé de atleta (o João tem pé-de-atleta; aquele corredor tem
um perfeito pé de atleta);
·
Obra-prima e obra prima (a estátua é uma autêntica obra-prima; aquela
pintura foi a sua obra prima);
·
Dias da semana – Segunda-Feira, Terça-Feira, Quarta-Feira, Quinta-Feira,
Sexta-Feira (na próxima Quarta-Feira abre a Segunda Feira Internacional de …;
ontem, Quinta-Feira, encerrou a Sexta Feira Nacional da Agricultura).
Não obstante as boas intenções dos defensores do Acordo Ortográfico, as
Línguas de Portugal e do Brasil vão-se distanciando, bastando estar atento ao
que se escreve nos dois lados do Atlântico, porque a Língua é feita, no
dia-a-dia, pelo Povo e não pelas elites.
Creio que, dentro de alguns anos, um avô venha a ter dificuldades em
entender o que lhe vai dizer o neto!
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(*) Ainda não foi publicado no Diário da República o diploma que aprova e
põe em vigor na ordem jurídica portuguesa o Acordo Ortográfico de 1990
IN Jornal de
Matosinhos nº 1756, de 15 de Agosto de 2014
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