Ao
longo dos séculos, a segurança jurídica sempre foi objecto de estudo da
doutrina, porque o homem busca incessantemente a certeza das coisas, da
sociedade, dos factos que o cercam. Para garantir a segurança nas suas
relações, o homem utiliza o Direito como instrumento. Em tempos de crise e de
instabilidade surgem novas reflexões objectivando sempre o equilíbrio social,
ou seja, a segurança do Direito e através do Direito.
O
poder soberano do Estado manifesta-se através de normas gerais e abstractas, que
determinando a forma como o cidadão se deve conduzir, permite que a sociedade tenha uma noção, até
certo ponto previsível e calculável do agir dos cidadãos, ou, pelo menos,
confere organização à sociedade permitindo que se saiba previamente o que o
cidadão deve fazer ou de que forma responderá caso viole uma norma.
O
princípio da segurança jurídica pode ser definido como o princípio da
estabilidade das relações jurídicas, e que tem por objectivo garantir a
perenidade nas relações jurídicas. A segurança jurídica consistirá, assim, num
princípio que visa garantir a estabilidade das relações jurídicas e advém das
leis promulgadas pelo Estado visando o bem dos cidadãos e o controle da conduta
social.
Para
o Doutor Gomes Canotilho, a segurança jurídica, elemento essencial do Estado de
Direito, desenvolve-se em torno dos conceitos de estabilidade e
previsibilidade. Quanto ao primeiro, no que respeita às decisões dos poderes
públicos, uma vez realizadas “não devem poder ser arbitrariamente modificadas,
sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos
materiais particularmente relevantes”. Quanto ao segundo, refere-se à “exigência
de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos
jurídicos dos actos normativos”.
O
princípio da segurança jurídica é, na sua essência, a pedra angular de um
Estado de Direito Democrático exactamente porque nesta ordem jurídica a
jurisdição e administração estão subordinadas às normas estabelecidas por um
poder central e tais normas conferem à sociedade a previsibilidade de conduta
que deve ser seguida pelos cidadãos.
No
âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) foi muito
recentemente alterado por uma “comissão de sábios” – Lei nº 82-E/201, de 31 de
Dezembro – que modificou profundamente o anterior código, alterando e
suprimindo muitos dos seus artigos, sendo, agora, uma autêntica manta de
retalhos.
Numa
dessas normas prevê-se a dedução das despesas de saúde, mas contrariando a anterior
legislação, só são, agora, aceites as facturas relativas a medicamentos taxados
com IVA a 6% (cfr. art.º 78º, nº 1, alínea c), com o limite previsto no art.º
78º-C). Assim os medicamentos taxados a 23%, ainda que com receita médica, deixaram
de ser considerados como despesas de saúde.
E,
quase a meio do ano de 2015, nasceu uma dúvida – “então os medicamentos taxados
a 23%, com receita médica, não são despesas de saúde?” – que teve de ser
resolvida por via legislativa, surgindo, deste modo, mais uma alteração ao
Código do IRS (que, pelo vistos, de código nada tem, sendo mais um mero regulamento
administrativo). E, assim, na sexta-feira, 22 de Maio de 2015, o Parlamento, por
unanimidade, aprovou uma alteração no sentido de permitir que os medicamentos
sujeitos à taxa de IVA de 23% possam ser deduzidos, como despesas de saúde,
desde que acompanhados das respectivas receitas médicas.
E
as facturas das farmácias com medicamentos sujeitos a IVA à taxa de 23% que,
por inúteis até ao momento, foram destruídas com as respectivas receitas
médicas não serão consideradas em sede de IRS. É esta permanente instabilidade
jurídica, não apenas em sede de IRS, esta constante impossibilidade de se poder
planear a vida a longo prazo que afasta os investidores.
Perante
tudo isto, sugiro que as facturas dos medicamentos sujeitos a diferentes taxas
de IVA constem de facturas separadas para se evitarem problemas causados pela
enorme burocracia do “e-fatura”.
Espero
que o legislador, no futuro, esteja mais atento à realidade social!
O
autor escreve de harmonia com o acordo ortográfico de 1945.
IN Jornal de
Matosinhos nº 1797, de 29 de Maio de 2015