sexta-feira, 29 de maio de 2015

INSEGURANÇA E INSTABILIDADE

Ao longo dos séculos, a segurança jurídica sempre foi objecto de estudo da doutrina, porque o homem busca incessantemente a certeza das coisas, da sociedade, dos factos que o cercam. Para garantir a segurança nas suas relações, o homem utiliza o Direito como instrumento. Em tempos de crise e de instabilidade surgem novas reflexões objectivando sempre o equilíbrio social, ou seja, a segurança do Direito e através do Direito.
            O poder soberano do Estado manifesta-se através de normas gerais e abstractas, que determinando a forma como o cidadão se deve conduzir, permite que a sociedade tenha uma noção, até certo ponto previsível e calculável do agir dos cidadãos, ou, pelo menos, confere organização à sociedade permitindo que se saiba previamente o que o cidadão deve fazer ou de que forma responderá caso viole uma norma.
O princípio da segurança jurídica  pode ser definido como o princípio da estabilidade das relações jurídicas, e que tem por objectivo garantir a perenidade nas relações jurídicas. A segurança jurídica consistirá, assim, num princípio que visa garantir a estabilidade das relações jurídicas e advém das leis promulgadas pelo Estado visando o bem dos cidadãos e o controle da conduta social.
Para o Doutor Gomes Canotilho, a segurança jurídica, elemento essencial do Estado de Direito, desenvolve-se em torno dos conceitos de estabilidade e previsibilidade. Quanto ao primeiro, no que respeita às decisões dos poderes públicos, uma vez realizadas “não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes”. Quanto ao segundo, refere-se à “exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos”.
O princípio da segurança jurídica é, na sua essência, a pedra angular de um Estado de Direito Democrático exactamente porque nesta ordem jurídica a jurisdição e administração estão subordinadas às normas estabelecidas por um poder central e tais normas conferem à sociedade a previsibilidade de conduta que deve ser seguida pelos cidadãos.
No âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) foi muito recentemente alterado por uma “comissão de sábios” – Lei nº 82-E/201, de 31 de Dezembro – que modificou profundamente o anterior código, alterando e suprimindo muitos dos seus artigos, sendo, agora, uma autêntica manta de retalhos.
Numa dessas normas prevê-se a dedução das despesas de saúde, mas contrariando a anterior legislação, só são, agora, aceites as facturas relativas a medicamentos taxados com IVA a 6% (cfr. art.º 78º, nº 1, alínea c), com o limite previsto no art.º 78º-C). Assim os medicamentos taxados a 23%, ainda que com receita médica, deixaram de ser considerados como despesas de saúde.
E, quase a meio do ano de 2015, nasceu uma dúvida – “então os medicamentos taxados a 23%, com receita médica, não são despesas de saúde?” – que teve de ser resolvida por via legislativa, surgindo, deste modo, mais uma alteração ao Código do IRS (que, pelo vistos, de código nada tem, sendo mais um mero regulamento administrativo). E, assim, na sexta-feira, 22 de Maio de 2015, o Parlamento, por unanimidade, aprovou uma alteração no sentido de permitir que os medicamentos sujeitos à taxa de IVA de 23% possam ser deduzidos, como despesas de saúde, desde que acompanhados das respectivas receitas médicas.
E as facturas das farmácias com medicamentos sujeitos a IVA à taxa de 23% que, por inúteis até ao momento, foram destruídas com as respectivas receitas médicas não serão consideradas em sede de IRS. É esta permanente instabilidade jurídica, não apenas em sede de IRS, esta constante impossibilidade de se poder planear a vida a longo prazo que afasta os investidores.
Perante tudo isto, sugiro que as facturas dos medicamentos sujeitos a diferentes taxas de IVA constem de facturas separadas para se evitarem problemas causados pela enorme burocracia do “e-fatura”.
Espero que o legislador, no futuro, esteja mais atento à realidade social!

            O autor escreve de harmonia com o acordo ortográfico de 1945.

IN Jornal de Matosinhos nº 1797, de 29 de Maio de 2015


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