O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 403/2015, de 27
de Agosto, declarou inconstitucional o nº 2 do artigo 78º de uma Lei aprovada
pela Assembleia da República que aprovara o Regime Jurídico do Sistema de Informações
da República Portuguesa, que permitia o livre acesso aos dados constantes de
todas as comunicações dos cidadãos residentes em território português.
Ora, o número 4 do artigo 34º da Constituição da
República proíbe toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência,
nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos
previstos na Lei em matéria de processo criminal.
Desde a data da aprovação da Constituição que as
telecomunicações mudaram, bastando pensarmos nos telemóveis e na internet, pelo
que muitos pensarão que o intérprete deveria fazer uma interpretação mais
livre, consentânea com a alteração da realidade. Porém, não terão razão porque
o conceito de ingerência na
correspondência (cartas ou emails) e nas telecomunicações (telefones fixos ou
telemóveis) não mudou.
Da Lei da Assembleia da República nada constava quanto ao
acesso aos dados, sem limite temporal nesse acesso, nem estabelecia as
condições da prorrogação da autorização no acesso.
Foi, assim, determinante a falta de segurança jurídica e a incerteza quanto à eliminação dos dados que conduziu a essa
declaração de inconstitucionalidade.
Neste caso, como em muitos outros, alguma da comunicação
social não soube ou não quis explicar que a norma, ora declarada inconstitucional,
fora aprovada pela Assembleia da República com os votos do PS, PSD e do CDS,
pelo que não podia ser mais uma afronta do Governo ao Tribunal Constitucional,
como alguém disse, e outros escreveram.
Sendo órgãos distintos. O Governo, enquanto órgão
administrativo, nada tem a ver com a Assembleia da República, enquanto órgão
legislativo, embora responda perante ela. As normas emanadas do Governo, com os
seus limites próprios, têm a forma de Decreto-Lei, enquanto as da Assembleia da
República têm a forma de Lei.
Além disso, a declaração de inconstitucionalidade não
versa sobre a totalidade do diploma mas tão-somente de um número de um dos
muitos artigos, pelo que pode facilmente ser corrigido de modo a não ficar
ferido da inconstitucionalidade material.
* * * * *
Ao ler este Acórdão, encontrei uma palava nova, que me
obrigou a reler a frase toda, para perceber o seu alcance: “ … a falta de prazos perentórios de eliminação de
dados … “.
Todos conhecemos o termo “peremptório”, muito usado no Direito, que tem origem latina –
peremptorius – e lembrei-me que, segundo o novo acordo ortográfico, algumas
consoantes mudas caem. Mas caindo a consoante muda, o resto da palavra deveria
manter-se e passaria a ser, no caso, peremtório.
Não faz sentido, neste como nos outros casos, “mandar às
malvas” o seu radical (raiz) tornando a leitura e a consequente hermenêutica
bem mais complicada.
IN Jornal de Matosinhos nº
1811, de 4 de Setembro de 2015
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