sexta-feira, 4 de setembro de 2015

SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES


O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 403/2015, de 27 de Agosto, declarou inconstitucional o nº 2 do artigo 78º de uma Lei aprovada pela Assembleia da República que aprovara o Regime Jurídico do Sistema de Informações da República Portuguesa, que permitia o livre acesso aos dados constantes de todas as comunicações dos cidadãos residentes em território português.

Ora, o número 4 do artigo 34º da Constituição da República proíbe toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na Lei em matéria de processo criminal.

Desde a data da aprovação da Constituição que as telecomunicações mudaram, bastando pensarmos nos telemóveis e na internet, pelo que muitos pensarão que o intérprete deveria fazer uma interpretação mais livre, consentânea com a alteração da realidade. Porém, não terão razão porque o conceito de ingerência na correspondência (cartas ou emails) e nas telecomunicações (telefones fixos ou telemóveis) não mudou.

Da Lei da Assembleia da República nada constava quanto ao acesso aos dados, sem limite temporal nesse acesso, nem estabelecia as condições da prorrogação da autorização no acesso.

Foi, assim, determinante a falta de segurança jurídica e a incerteza quanto à eliminação dos dados que conduziu a essa declaração de inconstitucionalidade.

Neste caso, como em muitos outros, alguma da comunicação social não soube ou não quis explicar que a norma, ora declarada inconstitucional, fora aprovada pela Assembleia da República com os votos do PS, PSD e do CDS, pelo que não podia ser mais uma afronta do Governo ao Tribunal Constitucional, como alguém disse, e outros escreveram.

Sendo órgãos distintos. O Governo, enquanto órgão administrativo, nada tem a ver com a Assembleia da República, enquanto órgão legislativo, embora responda perante ela. As normas emanadas do Governo, com os seus limites próprios, têm a forma de Decreto-Lei, enquanto as da Assembleia da República têm a forma de Lei.

Além disso, a declaração de inconstitucionalidade não versa sobre a totalidade do diploma mas tão-somente de um número de um dos muitos artigos, pelo que pode facilmente ser corrigido de modo a não ficar ferido da inconstitucionalidade material.



* * * * *

Ao ler este Acórdão, encontrei uma palava nova, que me obrigou a reler a frase toda, para perceber o seu alcance: “ … a falta de prazos perentórios de eliminação de dados … “.

Todos conhecemos o termo “peremptório”, muito usado no Direito, que tem origem latina – peremptorius – e lembrei-me que, segundo o novo acordo ortográfico, algumas consoantes mudas caem. Mas caindo a consoante muda, o resto da palavra deveria manter-se e passaria a ser, no caso, peremtório.

Não faz sentido, neste como nos outros casos, “mandar às malvas” o seu radical (raiz) tornando a leitura e a consequente hermenêutica bem mais complicada.



IN Jornal de Matosinhos nº 1811, de 4 de Setembro de 2015


Sem comentários:

Enviar um comentário