sexta-feira, 30 de outubro de 2015

BENS COMUNS?


            Quando dois seres humanos previdentes e consoante a riqueza individual, ou falta dela, querem constituir família através do casamento, têm que decidir o que fazer com o património ao tempo do casamento e dos bens que, ao longo da vida do casal, possam vir a adquirir.

            Caso queiram tomar uma medida – ou os bens actuais e futuros serem dos dois, ou só bens futuros serem de um deles [ comunhão geral de bens ou separação geral de bens ] – têm de o dizer previamente na convenção antenupcial. Se nada disserem, vigorará o regime comunhão de adquiridos. Isto é, tudo o que o casal venha a adquirir a título oneroso é de ambos. O adquirido a título gratuito (herança, por exemplo) será só de um deles.

            Suponha o leitor que casou segundo o regime de comunhão de adquiridos. Suponha que o seu cônjuge herdou um terreno ou uma casa. Esse património herdado, adquirido, portanto a título gratuito, foi vendido e que, com o produto da venda, comprou uma casa e que o interveniente na escritura foi o leitor, e que na escritura nada se diz sobre a proveniência do dinheiro gasto na compra da casa.

            Suponha ainda que hoje corre o seu divórcio o que implica a divisão do património do casal e, consequentemente, o futuro da casa.

É dos dois ou só de um?

O que lhe parece?

            Em princípio, como a casa foi adquirida a título oneroso durante o casamento, a casa será dos dois e, como tal, deverá ser partilhada pelos dois.

            Mas há nisso alguma justiça? Então a casa foi comprada com o dinheiro de um e, agora, é dos dois? Quando há o benefício de um é porque há o prejuízo do outro.

            Os tribunais estão cheios de casos idênticos e foi para resolver definitivamente essa questão que 29 dos 35 juízes, no Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça [ Acórdão nº 12/2015, de 2 de Julho ], decidiram no sentido de que estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, o “cônjuge dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de bens na constância do casamento em regime de comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove, por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro próprio” o bem é seu “não integrando a comunhão conjugal”. É que está em causa uma mera presunção relativa (que pode ser ilidida mediante prova em contrário) do exclusivo interesses dos cônjuges.

Se assim não fosse, verificar-se-ia o enriquecimento injustificado de um dos cônjuges com o correlativo prejuízo do outro.



IN Jornal de Matosinhos nº 1819, de 30 de Outubro de 2015




sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Pessoas, Animais e Natureza


            A leitura atenta das 160 propostas do PAN para Portugal, insertas no Jornal de Negócios é passível de uma leitura sob o ponto de vista jurídico.

            1 - Desde logo, o repensar o conceito de “pessoa”. No Mundo Ocidental, onde nos inserimos, existem dois tipos de pessoas. As pessoas físicas (o ser humano) e as pessoas jurídicas (as sociedades nas suas várias formas). As pessoas são sujeitos permanentes de direitos e, por isso, não são coisas, objectos de direitos (compra/venda, doações). Pelo contrário, aquilo que não é sujeito de direitos são coisas que podem ser definidas como sendo “toda a entidade do mundo externo, sensível ou insensível, com suficiente individualidade e suficiente economicidade para ter o estatuto permanente de objecto de direitos” [ Prof. Orlando de Carvalho ]. Se os animais passarem a ser equiparados a pessoas, ao ser humano, deixa de ser coisa e, como tal, não poderão ser objecto de relações jurídicas, deixam de estar fora do comércio. Não poderão ser vendidos/comprados, nem oferecidos.

            2 – Criminalizar os maus tratos a todos os animais conscientes e sencientes. Se é a todos, não se admitirão excepções. Como se combaterão as pragas (ratos e piolhos, por exemplo)? Como se eliminarão os germes? Como se farão algumas vacinas?

            3 – Proibir os animais não humanos na mendicidade. Já será possível utilizar os animais humanos?

            4 – Criar sanções acessórias ao crime de maus tratos a animais de companhia. E os que não são animais de companhia?

            5 – Proibir a caça desportiva. Porquê a caça desportiva e não a pesca desportiva?

            6 – Proibir a inseminação artificial das vacas leiteiras e das porcas parideiras, mas já se permitirá às mulheres solteiras e aos casais de mulheres.

            7 – Proibir a compra, a venda e a detenção de animais selvagens. É pôr em perigo muitas espécies animais que têm vindo a ser recuperadas graças a centros de recuperação e aos jardins zoológicos (por exemplo, os pandas e os linces ibéricos).

            8 – Proibir o cultivo comercial de organismos geneticamente modificados. E se não for comercial já não será prejudicial à saúde?

            9 – Desenvolver uma roda de alimentos sem produtos de origem animal. Portanto, sem ovos, sem leite, sem queijo, sem iogurtes, sem mel, sem gelatina, sem carne e sem peixe.

            10 – Desmantelar as barragens. Lá se irão os planos de rega de inúmeras zonas, desde logo do Alentejo, com o desmantelamento do Alqueva. E os planos hidroeléctricos do Norte de Portugal e lá se irá o turismo no Rio Douro e a prevenção das cheias na foz do Douro (cidades do Porto e de Gaia).

            11 – Protecção de cheias. Proteger as cheias ou proteger das cheias (!?), não permitindo a construção nos leitos de cheias e não impermeabilizando os solos, com a construção de mais zonas verdes?

            12 – Como são poucas as taxas e as taxinhas que imperam em Portugal, serão criadas mais taxas, uma de “emissão de carbono/metano” e, outra denominada “taxas PAN”!

            13 – Erradicar a violência? Como? Já há vacinas?

            14 – Inclusão dos animais no agregado familiar, tendo os mesmos direitos em sede de IRS que os filhos. Serão os novos tipos de filhos?

            15 – Por um lado, criar políticas que nos afastem da globalização e nos aproximem da localização e, por outro, procurando novos parceiros internacionais para além das tradicionais parcerias ocidentais em que Portugal está inserido!



IN Jornal de Matosinhos nº 1818, de 23 de Outubro de 2015

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

ORÇAMENTO MUNICIPAL - PARTICIPAÇÂO


            Tal como em anos anteriores, o município de Matosinhos distribuiu amplamente um folheto a convidar a população a participar no Orçamento Municipal de 2016, devendo as respostas serem dadas até ao próximo dia 20 de Outubro.


            Vivemos num Estado de Direito Democrático em que o Povo escolhe livremente quem o vai governar, quem tem de tomar as decisões para a vida da colectividade.


            Democracia é sinónimo de responsabilidade. Convidar o Povo a responsabilizar-se pelas medidas a tomar no futuro sem que esteja devidamente habilitado a responder, porque não conhece os respectivos processos, será sacudir a água do capote, desresponsabilizando-se. Tal como aconteceu com o encerramento ao trânsito automóvel da Rua de Brito Capelo: foi o Povo que escolheu livremente, diz-se, agora!


            Nesse questionário para um orçamento transparente e participado, há questões que nem sequer deveriam ter sido formuladas, como por exemplo:


  1. – No âmbito da mobilidade – só se fala na mobilidade dos automóveis e, curiosamente (ou talvez não!) não na mobilidade das pessoas:
    1. – “… considera que eliminar o estacionamento em segunda fila, em cima dos passeios e em rotundas …” Afinal, o Código da Estrada serve para quê? Não é proibido estacionar nos passeios, nos viadutos, nas curvas, em cima dos jardins, nas paragens dos autocarros, nas zonas zebradas limitadas com linha contínua?! É o Povo que vai autorizar a violação da Lei vigente? Para que serve a Polícia Municipal e o seu slogan “quem incomoda incomoda-se”? Já agora, também deveria perguntar-se ao Povo se autoriza que se estacione em frente ao Domus Municipalis, durante todo o dia e todos os dias e não apenas nos dias da realização de Assembleias Municipais aos respectivos membros! É que todos são iguais perante a Lei e têm todos a mesma dignidade social, não havendo, portanto, cidadãos mais iguais que outros!
    2. – “… acha importante elevar cruzamentos, eliminando semáforos que induzem a aceleramentos próximos de passadeiras para peões?” Colocar obstáculos nas vias é perigoso, para além de danificar as viaturas automóveis. As ambulâncias e viaturas do INEM não podem, numa missão de urgência, estar a abrandar (quase parando) de cruzamento em cruzamento. Basta ver-se o pavimento na Rua de Brito Capelo, no cruzamento com a Rua de Sousa Aroso, todo cheio de óleo dos cárteres danificados pela subida da faixa de rodagem, com os consequentes danos ambientais.
      2 – “Os custos com o tratamento dos jardins públicos são muito elevados. Por isso, tem sido opção da Câmara Municipal manter os jardins envolventes às urbanizações da responsabilidade dos moradores dos prédios. Manter essa política é … ? Para que se paga o IMI que, na esteira da Contribuição Autárquica, é pago como contrapartida dos serviços que as Câmaras prestam ao Povo? Afinal, para que servem todos os impostos municipais e taxas e taxinhas (na água, na electricidade, no telefone, na internet, etc. etc.)?
                  Para que haja uma verdadeira transparência nas contas dos municípios e das juntas de freguesia, estas deveriam seguir o bom exemplo do Governo Central e dar ampla publicidade não apenas das receitas cobradas como também das despesas feitas. É que no documento amplamente difundido só se fala em despesas. E as receitas? Quais são elas?
                  No Orçamento do Estado, na simples previsão das receitas e das despesas, sabe-se, detalhadamente, o que se conta receber e gastar. Na Conta Geral do Estado, conhece-se tudo (o recebido e o gasto) ao mais ínfimo pormenor!

      IN Jornal de Matosinhos nº 1817, de 16 de Outubro de 2015

domingo, 11 de outubro de 2015

BENEFÍCIOS FISCAIS


            Desde que há memória, para pagar os serviços que o Estado presta aos seus cidadãos há que obter receitas de dois modos:Ou através de taxas – enquanto contrapartida directa dos serviços prestados;Ou através de impostos – sem quaisquer contrapartidas.Mas se as receitas não forem suficientes para as despesas – o que aconteceu ao longo dos séculos – os Estados contraem empréstimos que têm de ser amortizados através de duas medidas, para que as contas fiquem equilibradas:Do aumento dos impostos e taxas, eDiminuição das receitas.Há, também, necessidade de incrementar o aumento da riqueza – sem ela não há criação de emprego e o aumento natural das receitas, por aumentar o número de pagadores de impostos com maior rendimento. E, para atingir esse desiderato, os Estados concedem benefícios fiscais que são, como todos compreenderão, despesa porque existe uma diminuição da receita.Segundo a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT resultou da fusão de duas Direcções-Gerais com vista à baixa da despesa pública), em 2013, foram concedidos benefícios fiscais no total de 1.042.013.921,42 euros, sendo os mais relevantes:

          Deduções ao rendimento

Majoração à criação de emprego (artº 16º EBF)
39.451.290,62 €
Majoração aos donativos (artº 62º e 65º EBF – Mecenato)
23.062.014,87 €
Eliminação da dupla tributação económica
4.145.870,54 €
Majoração das quotizações empresariais (artº 44º CIRC)
3.169.345,06 €
Armadores da Marinha Mercante Nacional
1.452.811,52 €
Transmissões de prejuízos fiscais (artº 75º CIRC)
603.929,27 €
Majoração de gastos relativos a creches, lactários e jardins-de-infância
541.771,37 €
          Deduções à colecta

Crédito fiscal ao investimento (Lei 49/2013)
221.185.288,80 €
SIFIDE I e II (Leis 40/2005 e 55-A/2010)
81.776.418,42 €
Por apoio ao investimento (Lei 10/2009)
75.740.856,22 €
Grandes projectos de investimento (artº 41º EBF)
40.994.278,48 €
Zona Franca da Madeira (artºs 35º e 36º EBF)
2.686.625,65 €
          Isenções definitivas

Pessoas colectivas públicas e de solidariedade social (artº 10º CIRC)
147.719.413,66 €
Fundos de pensões (artº 16º EBF)
54.857.873,94 €
Actividades culturais, recreativas e desportivas (artº 11º CIRC)
15.059.891,95 €
Cooperativas
8.343.296,61 €
          Isenções temporárias

SGPS, Emp. de Capital de Risco e Investim. Capital de Risco
87.346.788,01 €
Associações e confederações sindicais e patronais
4.393.506,01 €
Gestão de fluxos específicos de resíduos
1.765.963,16 €





IN Jornal de Matosinhos nº 1816, de 9 de Outubro de 2015

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

CONCESSÃO vs PRIVATIZAÇÃO


            Aquando da Expansão Ultramarina de Portugal (iniciada nos primórdios do século XV), como a Coroa tivesse “o engenho e a arte” mas não tivesse “cabedais” teve por bem concessionar os negócios que fossem realizados nos novos territórios.

            Os empreendimentos eram da Coroa que, por não ter dinheiro para os executar, concessionava-os recebendo, como contrapartida, 20% das receitas - “o quinto”, como era, ao tempo, designado. Essas concessões, para além da contrapartida financeira, eram temporárias, condicionadas a um conjunto de regras pré-estabelecidas, com a possibilidade de, a qualquer momento, serem revogadas, caso o concessionário não cumprisse o contrato de concessão.

            Os maiores exemplos da concessão de serviços da Coroa, verificaram-se nas Ilhas Atlânticas [ Arquipélagos dos Açores, da Madeira e de Cabo Verde ] e no Brasil, com as capitanias hereditárias, e, em Moçambique, com as Companhias Majestáticas do Niassa [ de 1881 a 1929 ] e de Moçambique [ de 1897 a 1942 ].

            Com o desenvolvimento das novas tecnologias e da economia, o Estado, baseado no seu ius imperii, concessiona a exploração dos recursos naturais [ extracção de petróleo bruto e do gás, dos minérios, e das florestas ], do espectro electromagnético [ nas telecomunicações, na rádio e na televisão ], na prestação de serviços de utilidade pública [ gestão dos serviços de saúde, da educação, dos transportes aéreos, rodoviários, ferroviários e das vias marítimas e fluviais ], nos transportes colectivos urbanos [ rodoviário e do metropolitano seja, ou não, de superfície ]. Na distribuição das águas para uso doméstico e industrial e dos serviços de saneamento urbano [ recolha do lixo e dos esgotos ].

            Serviços privados são os que nasceram como tais e como tais permanecerão na esfera privada, como conhecemos ao longo dos tempos: a indústria, o comércio e os serviços. Continuarão na esfera privada até que o Estado os nacionalize por alguma das seguintes razões:

            »» A eficiência produtiva de uma empresa sem tesouraria;

»» Conter uma crise num dado sector de actividade evitando a entrada de capital estrangeiro naquele sector;

            »» Assegurar recursos financeiros para o Estado (exploração de recursos naturais);

            »» Melhorar os serviços públicos (saúde, educação).

            Mas essa nacionalização, em Portugal, custará muito dinheiro aos contribuintes, porque a Constituição da República, sempre ela, enquanto vértice da pirâmide normativa, impõe uma “justa indemnização” para além de deverem coexistir os sectores da propriedade dos meios de produção e dos direitos de iniciativa e propriedade privadas.

            Há quem defenda que muitos dos serviços que o Estado concessiona, em vez de serem realizados por privados, deveria ser o próprio Estado a realizá-los através de empresas públicas.

            Esta divisão é puramente ideológica, pois que tem por base uma ideologia que é, matricialmente, contra a propriedade privada dos meios de produção, isto é, é a favor de uma economia em que o Estado, através da nacionalização, torna-se o proprietário exclusivo dos meios de produção, sendo os particulares apenas proprietários de uns escassos bens, praticamente sem valor de comércio. Na actualidade, os únicos defensores destas ideias são as Repúblicas de Cuba e da Coreia do Norte. O Regime Comunista Chinês deixou de perfilhar estas ideias – um País com dois sistemas [ um Partido Único (o Partido Comunista Chinês) e o regime capitalista puro e duro, sem quaisquer restrições (sem quaisquer direitos sociais) ].



IN Jornal de Matosinhos nº 1815, de 2 de Outubro de 2015