Segundo a Constituição da República Portuguesa, Portugal
é uma República em que todo o Estado, no seu sentido mais amplo ao mais
restrito – o Estado somos todos nós, longe dos tempos do “Estado sou Eu” – deve
obediência à Lei.
As Leis da República são inúmeras, muitas delas
consideradas as mais avançadas do seu tempo, mas, não obstante tudo isso, será
a República Portuguesa, realmente, um Estado de Direito?
Parece-me que não:
1 – A Lei proíbe a
cobrança de alugueres dos contadores da água, da electricidade e do gás, seja a que título for. Porém, nas
facturas dos prestadores dos serviços, consta a tarifa de disponibilidade que é uma forma de cobrar esse mesmo
aluguer do contador que era uma forma de cobrar o consumo mínimo obrigatório que é, por Lei, proibido. Continua,
portanto, a prática ilegal da cobrança do consumo
mínimo obrigatório.
2 – Nas facturas
da água consumida vêm os encargos com a utilização dos esgotos, normalmente uma
percentagem sobre o consumo da água e que varia consoante o título do
consumidor. As habitações têm uma taxa, os escritórios e os consultórios,
outra, e os estabelecimentos comerciais, ainda, outra.
Na mesma factura, vem, ainda, a taxa pela recolha do lixo.
Que varia, igualmente, consoante o título do consumidor, pagando o comércio e
os escritórios mais que as habitações (*).
Que correlação existe entre o consumo de água e o lixo
produzido?
3 – Um Parecer da
Procuradoria-Geral da República é contra os obstáculos que muitas Câmaras
Municipais vêm colocando na faixa de rodagem com a intenção da redução da
velocidade dos automóveis. São obstáculos que surgem na via de circulação
quando, segundo a legislação vigente, não pode haver obstáculos que impeçam a
fluidez do tráfico automóvel (**).
Outras câmaras municipais, ao invés de rebaixarem os
passeios a fim de melhorar as acessibilidades dos peões, os passeios atravessam
a faixa de rodagem, com a sobrelevação da mesma, criando obstáculos aos
automóveis (**).
4 – Para evitar a
distracção dos automobilistas e, com isso, acidentes que, por vezes, podem ser
graves, a Lei proíbe a colocação de painéis publicitários luminosos virados
para as faixas de rodagem. Muitos deles estão de tal modo colocados que ficam
frontais à visão dos condutores, cm perigo de encadeamento. Não obstante isso,
um pouco por toda a República Portuguesa, estão colocados esses painéis
publicitários, geradores de receita para os municípios.
5 – A Constituição
consagra a separação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicial. Porém, isso
não acontece em Portugal em toda a sua plenitude, porquanto órgãos
administrativos praticam actos puros de natureza judicial sem que ninguém de
direito levante um dedo. Em tempos idos, nos termos do Código de Processo das
Contribuições e Impostos, segundo normas de um Estado Ditatorial, as
autoridades administrativas tinham a seu cargo a execução das dívidas ao
Estado, mas faziam-no enquanto “juízes auxiliares” e não enquanto autoridades
administrativas, e dos seus actos havia recurso para o Tribunal das
Contribuições e Impostos. Mas era uma “Lei Fascista”.
Hoje, em plena Democracia, na vigência de uma Constituição
da República, das mais avançadas do seu
tempo, uma autoridade administrativa, além de fixar os rendimentos, liquida
os tributos (competência própria da administração) ainda cobra as dívidas. E,
para tal, penhora os bens do devedor (acto judicial), procede à venda dos bens
(acto judicial), gradua os créditos (acto judicial). Se houver reclamações para
os Tribunais Administrativos e Fiscais, estes pronunciar-se-ão apenas a final,
quando tudo estiver concluído (os bens já vendidos e o produto da venda
distribuído).
No “antigamente”, na vigência dos Tribunais das
Contribuições e Impostos, os Tribunais não tinham alçada e, como tal, de todas
as decisões judiciais poderia haver recurso. E as custas devidas, pagas após em
trânsito em julgado da decisão final, eram modestas, perfeitamente suportáveis
para qualquer bolso. Com a passagem ao Tribunais Administrativos e Fiscais,
passou a haver alçada e as custas são pagas “à cabeça” e são elevadíssimas,
afastando das lides os financeiramente mais modestos (***).
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(*) Segundo o ordenamento jurídico português, as taxas
existem como pagamento por um serviço concreto que foi prestado. Existe uma
correspondência directa entre o pagamento do serviço e a prestação desse mesmo
serviço. É como comprar um bilhete num transporte: o preço corresponde
directamente ao transporte. Como o selo do correio numa carta. Mas nas taxas
municipais esse nexo sinalagmático não existe. Paga-se porque … “sim”. Pronto.
(**) O tráfego automóvel não é apenas a circulação das
viaturas automóveis em passeio. Há quem circule porque precisa de trabalhar. E,
além disso, há viaturas que, por vezes, têm de circular a alta velocidade para
salvar vidas e bens – as viaturas do INEM e as dos Bombeiros, incluindo as
Ambulâncias.
Há muitas maneiras de reduzir a velocidade dos
automóveis, e a melhor, com certeza, não será criar obstáculos na via e, muitas
delas, nas proximidades das entradas das urgências hospitalares.
(***) Apesar de, no “antigamente”, se viver em ditadura,
havia mais respeito pelo cidadão pagador de impostos. Além dos impostos, das
taxas e das multas serem mais moderados, o cidadão tinha mais direitos, que
foram reforçados depois, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária e do
Código de Processo e Procedimento Tributário, mas, aos poucos, face às
sucessivas alterações legislativas, o cidadão está, praticamente, indefeso
perante o Estado Todo-Poderoso.
Hoje, uma dívida de poucos euros pode transformar-se em
vários milhares. As coimas atingem facilmente valores perto do salário mínimo
(um verdadeiro esbulho). Chegou-se ao cúmulo da utilização de uma máquina
administrativa estatal ao serviço de entidades privadas (caso da cobrança das
portagens). Estranho que, em sede própria, no Parlamento, ninguém proteste!
IN Jornal de Matosinhos nº 1770, de 21 de Novembro de
2014