Os Juizes de Paz, com uma terminologia diferente daquela que hoje apresentam, foram gerados nos primórdios da nacionalidade, onde se elegiam para as funções jurisdicionais e administrativas de entre os “homens bons” (com base no conceito do “bonus pater familiae”) com considerações de justiça, isto é, a criação de melhores condições para a realização do acesso dos cidadãos ao Direito e à Justiça.
Num passado mais recente, os Julgados de Paz beberam da Constituição de 1822, da Carta Constitucional de 1826, das Constituições de 1838, 1911 e 1933, sendo, finalmente!, restaurados com a revisão constitucional de 1997, com base num projecto de Lei do Partido Comunista Português, com a entrada em vigor da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que aprovou a organização, a competência e o funcionamento dos Julgados de Paz.
À luz do princípio da universalidade que preside à política nacional no respeito pelo direito fundamental de acesso ao direito e à justiça consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a rede nacional de Julgados de Paz deverá abarcar todo o território nacional. Actualmente, encontram-se instalados e a funcionar Julgados de Paz que servem a população de 57 concelhos.
Os julgados de Paz estão vocacionados para permitirem a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes, e são orientados pelos princípios de simplicidade, de adequação, de informalidade, de oralidade e absoluta economia processual, em todas as acções cujos valores não excedam a alçada do Tribunal de 1ª Instância – 5.000,00 euros – e assim podem julgar acções declarativas de:
a) Acções de cumprimento de obrigações, excepto as que tenham por objecto prestações pecuniárias e de que sejam ou tenham sido credores originárias pessoas colectivas;
b) Acções de entrega de coisas móveis;
c) Acções resultantes de direitos e de deveres de condóminos, sempre que a assembleia-geral não tenha deliberado no sentido da obrigatoriedade de compromisso arbitral para a resolução de litígios entre condóminos ou entre condóminos e o administrador;
d) Acções de resolução de litígios entre proprietários de prédios relativos a passagem forçada momentânea, escoamento de águas, comunhão de valas, regueiras e valados, sebes vivas, abertura de portas e varandas, plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios e estilicídio;
e) Acções possessórias, usucapião e acessão;
f) Acções sobre o direito de uso e administração de compropriedade, da superfície, do usufruto, do uso e da habitação e ao direito real de habitação periódica;
g) Acções respeitantes ao arrendamento urbano, excepto as acções de despejo;
h) Acções respeitantes à responsabilidade civil contratual e extracontratual;
i) Acções respeitantes ao incumprimento contratual, à excepção do contrato de trabalho e do arrendamento rural;
j) Acções que respeitem à garantia geral das obrigações;
k) Pedidos de indemnização cível, nos casos em que não haja participação criminal, emergentes de ofensas corporais simples, ofensa à integridade física por negligência, difamação, injúrias, furto simples, danos simples, alteração de marcos, burla para obtenção de alimentos, de bebidas ou de serviços.
Interposta a acção por escrito ou verbalmente (reduzida a escrito pelo funcionário do Julgado de Paz) é citado o demandado para contestar, por escrito ou verbalmente, em 10 dias. O demandante é notificado da contestação e da data da sessão de pré-mediação. Se uma das partes não comparecer, é marcada a data da audiência de julgamento.
Os processos podem terminar por acordo das partes, sendo, sempre ratificados pelo Juiz de Paz, tendo força de caso julgado como as demais sentenças judiciais.
A título de custas processuais, cada parte paga 35 euros. Quem perder paga, a final, 35 euros, sendo que quem ganhar recebe de volta os 35 euros inicialmente pagos, pelo que, uma acção num Julgado de Paz custa a quem perder 70 euros. Para além do mais, não é obrigatória a constituição de advogado, pelo que as partes em litígio podem resolver os seus problemas “olhando-se olhos nos olhos”, frente a um Juiz ou a um Mediador.
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Curiosamente, havendo Julgados de Paz em 57 concelhos do País, no distrito do Porto, apenas existem 3 (!), em Vila Nova de Gaia, Porto e Trofa. Não os há em Matosinhos, Maia, Valongo, Gondomar, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, terras com elevada densidade populacional.
Ainda como curiosidade, existem Julgado de Paz nos Concelhos de Terras de Bouro, Miranda do Corvo, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa, Resende e Moimenta da Beira, concelhos de baixa densidade populacional e sem grandes litígios sociais, penso.
No Concelho de Matosinhos, devido à densidade populacional e à litigiosidade social, não faz sentido não existir um Julgado de Paz, tendo unicamente de recorrer-se ao Tribunal Judicial para a resolução de pequenos litígios, as chamadas “bagatelas cíveis”, como sejam por exemplo, as dívidas aos condomínios, a ocupação dos lugares de garagem dos vizinhos, a emissão de fumos e de cheiros para os vizinhos, o alijar de lixos pelas janelas que entram para as habitações dos andares de baixo, os danos provocados pelas pontas dos cigarros nas roupas a secar ou nos toldos, o ruído provocado pelos cães durante a noite, e os ruídos de vizinhança, ou dos litígios no âmbito do direito do consumo ou dos acidentes de viação.
As autoridades municipais deveriam pensar nisto, e tudo fazer para a instalação, em Matosinhos, de um Julgado de Paz, contribuindo, com isso, para a paz social.
Haverá vontade política?