segunda-feira, 29 de novembro de 2010

GARANTIAS DOS IMÓVEIS

No âmbito do Direito Privado, todos sabemos que as garantias das coisas novas adquiridas, são as seguintes, por força do Decreto-Lei nº 67/2003, que transpôs para o Direito Interno a Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio:
         Bens móveis        …………………. 2 anos
         Bens imóveis ……………….. 5 anos.
E que o exercício desse direito caduca se não for reclamado, ao vendedor, no prazo de 2 meses, relativamente às coisas móveis, e 1 ano, quanto às imóveis.
Porém, na mesma altura – ano de 2008 – fora já publicado o Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos, segundo o qual as garantias são as seguintes, relativamente às coisas imóveis:
- 10 anos, quanto aos defeitos de elementos construtivos estruturais;
- 5 anos, quanto aos defeitos de elementos construtivos não estruturais ou a instalações técnicas;
- 2 anos, quanto aos defeitos relativos a equipamentos afectos à obra, mas dela autonomizáveis.
Isto é, no âmbito do Direito Privado, as garantias dos imóveis são de 5 anos, independentemente da sua natureza; no Direito Público, as garantias são alargadas para 10 anos, se os defeitos forem estruturais.
Acresce, ainda, que no Direito Público, “o empreiteiro tem a obrigação de corrigir, a expensas suas, todos os defeitos da obra e dos equipamentos nela integrados que sejam identificados até ao termo do prazo de garantia, entendendo-se como tais, designadamente, quaisquer desconformidades entre a obra executada e os equipamentos fornecidos ou integrados e o previsto no contrato.”
Se os defeitos identificados não forem susceptíveis de correcção, o dono da obra pode, sem custos adicionais, exigir ao empreiteiro que repita a execução da obra com defeito ou que substitua os equipamentos defeituosos, salvo se tal se revelar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
Sem prejuízo da opção pelo exercício do direito de resolução do contrato, não sendo corrigidos os defeitos nem cumprido o disposto no número anterior, ainda que se verifiquem os casos previstos na sua parte final, o dono da obra pode exigir a redução do preço e tem direito de ser indemnizado nos termos gerais.”
O empreiteiro fica exonerado da responsabilidade pelos defeitos da obra que sejam verificados após a recepção definitiva, salvo quando o dono da obra prove que os defeitos lhe são culposamente imputáveis.”
Não se compreende que, no mesmo ano, o Legislador tenha querido que os privados tenham as suas garantias diminuídas face ao Direito Público, pelo que, de iure constituendo, o Legislador deverá igualar as garantias, de modo a que sejam as mesmas tanto no Direito Privado como no Direito Público.

CONTRATOS PÚBLICOS

O Código dos Contratos Públicos (C.C.P.), aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, entrou em vigor a 30 de Julho de 2008, e ocupa 100 páginas no Diário da República, para além de ter alterado inúmera legislação (vidé infra) revogou toda a legislação relativa às matérias reguladas no C.C.P., seja ou não com ele incompatível. Porém, manteve em vigor os actos legislativos que consagram regimes transitórios em matéria de contratação pública.
Para a sua entrada em vigor, foi publicado o Decreto-Lei nº 143-A/2008, de 25 de Julho, e 10 Portarias, em 29 de Julho (Portarias 701-A a 701-J/2008).
A dificuldade em interpretar as normas para os Contratos Públicos é tanta que o senhor Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos disse que será obrigado a contratar especialistas fora do quadro dos juristas do município para responder ao Tribunal de Contas, por um erro cometido no âmbito do ajuste directo previsto no capítulo I do Título III da II Parte do C.C.P. – artigos 112º e seguintes, condenando o município ao pagamento de uma multa.
Mas a dificuldade na análise do processo será, assim, tanta?!
Não conhecendo o processo, apenas posso especular.
O Tribunal de Contas, como qualquer outro Tribunal, fundamenta, de facto e de direito, as posições assumidas, pelo que ao Departamento Jurídico da Câmara Municipal competirá analisar, atentamente, as normas que o Tribunal põe em crise averiguando se, de facto, nesse ajuste directo, terá sido cometido uma qualquer ilegalidade apontada pelo Tribunal. Dito de outra maneira, averiguar se terá havido um erro na formulação da vontade decisória do Tribunal [o iter valorativo e decisivo da deliberação porquanto os Tribunais, constituídos por Homens, também se enganam] e, sendo caso disso, recorrer dessa decisão, para reposição da legalidade.


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Alterações introduzidas na lei pelo diploma que aprovou o C.C.P.:
Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro
Decreto-Lei nº 390/82, de 17 de Setembro
Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro
Decreto-Lei nº 33/99, de 5 de Fevereiro
Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março
Decreto-Lei nº 196/99, de 8 de Junho
Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho
Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro
Decreto-Lei nº 223/2001, de 9 de Agosto
Decreto-Lei nº 104/2002, de 12 de Abril
Decreto-Lei nº 185/2002, de 20 de Agosto
Lei nº 18/2003, de 11 de Junho
Decreto-Lei nº 245/2003, de 7 de Outubro
Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro
Decreto-Lei nº 1/2005, de 4 de Janeiro
Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro
Decreto-Lei nº 25/2007, de 7 de Fevereiro
Decreto-Lei nº 50-B/2007, de 28 de Fevereiro

PROVEDOR DO DEFICIENTE

A Câmara Municipal de Matosinhos deliberou a criação do “Provedor do Cidadão Portador de Deficiência” que, à partida será um cargo simpático mas inoperante, porque as suas recomendações não terão nenhum efeito prático.
De facto, sendo a própria Câmara Municipal quem deve cumprir e fazer cumprir a abundante legislação vigente que não tem passado de letra morta, não serão as suas recomendações que irão alterar o actual status quo.
A Câmara Municipal não deveria, na minha opinião, ter utilizado um termo que, embora politicamente correcto, não espelha a realidade, já que uma deficiência não é algo que se porte e se possa deitar fora quando se quer. O termo correcto é “pessoa com deficiência” ou como melhor dizem os ingleses, “cidadãos em desvantagem” – “handicaped people”.
Por outro lado, o cargo de provedor do deficiente municipal não deveria existir porque já existe o Provedor do Deficiente da Área Metropolitana do Porto, de que Matosinhos faz parte, pelo que existirão dois órgãos com funções coincidentes.
Também existem, noutros municípios, os provedores do deficiente – Marco de Canaveses, Viseu e Porto, pelo menos – e nem por isso as acessibilidades melhoraram. Tudo continua na mesma.
Melhor andou a Câmara Municipal da Maia que, não criando a figura do Provedor do Deficiente, criou uma equipa para estudar, no terreno, o que há a melhorar, até porque, sendo o deficiente um cidadão como os demais, os seus problemas poderão ser apreciados pelo provedor municipal, não havendo, assim, qualquer discriminação entre os cidadãos.
Os problemas que se colocam, nas acessibilidades, não são específicos dos deficientes, são, pelo contrário, comuns a todos os demais cidadãos. A locomoção condicionada afecta não apenas os deficientes, mas também os idosos e as mães e pais das crianças que, devido à idade, são transportadas nos “carrinhos de bebés”. Os problemas são os mesmos, tais como as escadarias, os elevadores estreitos, as passadeiras ocupadas por locais de depósito de lixos, para além das viaturas automóveis.
Seja como for, o cargo foi criado e já tomou posse o cidadão que vai ter uma responsabilidade enorme sobre os seus ombros que será convencer não apenas o município a quem compete fiscalizar o cumprimento das normas legais, como os demais poderes instituídos. A começar, por exempo, pelo próprio domus municipalis – quem se deslocar em cadeira de rodas não passa do átrio, dado que para o acesso aos elevadores do lado esquerdo tem se descer as escadas. Um erro de projecto inicial que se deixou passar.
Depois terá de lutar contra algumas companhias de seguros para as convencer a alterar/melhorar os acessos, como são exemplos, a Companhia de Seguros Tranquilidade sita à Av. da República. Depois, os bancos, nomeadamente o Barclays, na esquina da Av. D. Afonso Henriques com a Av. da República, o Millenium BCP, na Av. D. Afonso Henriques, e o Santander, na Rua de Alfredo Cunha, acima do Centro de Saúde.
Terá de convencer a Câmara Municipal a instalar os corrimões obrigatórios nas escadarias públicas de Leça da Palmeira, no acesso à Rua da Congosta do Abade, e na Avenida da Liberdade, em Leça da Palmeira, no acesso à Rua de Sarmento Pimentel e a remover os obstáculos, por ela colocados, nas passadeiras, como, por exemplo (que não o único), os contentores do lixo no separador central na Av. da República, no cruzamento com a Rua Heróis de França.
         Terá de convencer o senhor Arquitecto Álvaro Siza a alterar os acessos à “Casa de Chá da Boa Nova” para que uma cadeira de rodas possa ali entrar.
         Se muita coisa tem sido feita, muito mais falta fazer, pelo que o senhor Provedor do Deficiente terá muito que recomendar.
         A ver vamos se não vai passar de mais uma peça decorativa como noutros locais.
         Espero e desejo que não!

O TRÂNSITO

Ultimamente, a cidade de Matosinhos tem sido palco de diversos atropelamentos, alguns dos quais com consequências mais funestas.
Daí que o senhor Presidente do Município de Matosinhos, na rádio, se tenha manifestado contra tais ocorrências, informando a audiência que seriam tomadas algumas medidas para evitar, no futuro, de ocorrências similares. Mas daí não passou, porquanto nada foi, entretanto, feito para minorar ou alterar a actual situação do trânsito em Matosinhos.
Nas artérias citadinas onde foram, há muito, colocados enormes vasos metálicos com vista a embelezar, continuam na mesma! Os vasos continuam a ocultar os peões, dado que quem conduz não pode ver, a tempo, quando pretendem atravessar a rua, dado que o mesmo oculta parcialmente a visibilidade da passadeira.
Noutros locais, embora de sentido único para os automóveis, foi construída uma pista para ciclistas que transitam nos dois sentidos, obrigando os condutores a terem duplo cuidado – não apenas aos automóveis mas também aos ciclistas e patinadores.
Alguns automobilistas continuam a estacionar livremente nas paragens dos autocarros, obrigando estes a pararem no meio da rua para a entrada/saída dos passageiros. As passadeiras continuam a ser ocupadas, nalguns locais, nomeadamente, perto de estabelecimentos de restauração, por alguns condutores.
Os limites de velocidade não são respeitados, e a prova disso é a passagem com a luz vermelha acesa nas artérias de Leça da Palmeira onde existem dispositivos automáticos de limite de velocidade que faz acender os semáforos. 
Porém, como se isso não fosse suficiente, foi colocado, muito recentemente, e frontalmente, para quem se desloca na avenida da Liberdade, em Matosinhos (que não em Leça da Palmeira) no sentido poente-nascente, e passa a linha do metro, vê mesmo em frente de si uma gigantesca pantalha publicitária. De tão forte que é a sua luminosidade, nomeadamente à noite, que muitos condutores são obrigados a semicerrarem os olhos para evitarem o encadeamento.
Estar-se-á à espera que ocorra um acidente para dali retirarem a pantalha publicitária?

REPÚBLICA

         Durante os últimos dias, para comemorar os “100 da República”, nas televisões que temos, houve mais uma tentativa de lavagem cerebral para nos convencer a todos que “esta” República é melhor que a “velha” Monarquia.
         Desde logo, o avançar com os grandes ideais republicanos da educação, do progresso e da liberdade.
         Todos sabemos que os ideais republicanos nada mais eram que os ideais da Revolução de 1820 e do “Setembrismo”, com vista ao seu aprofundamento e aplicação. Eram os ideais do Liberalismo. Tudo o mais não passa de uma tentativa de mascarar a História.
         Comecemos pelos grandes ideias republicanosa educação. No contexto histórico do século XIX, para uma população de 4,6 milhões de habitantes, havia, em média, em 1899, uma escola primária para 890 habitantes e em cada 15 Km2. Hoje, para uma população de 11 milhões, quantas escolas primárias (leia-se ensino básico) temos? Ao que vejo, muito recentemente, muitas delas foram encerradas nas zonas menos povoadas. E então o ideal republicano da educação? E o abandono do interior? Veja-se o desenvolvimento económico e social do interior do Reino de Espanha ao longo da raia!
         Quanto ao segundo ponto, do progresso, também temos que ver o contexto da época – a abertura da rede de estradas e o desenvolvimento do caminho-de-ferro, com Fontes Pereira de Melo. Enquanto, hoje, se constroem autoestradas sem trânsito, por um lado, por outro, fecham-se as linhas-férreas, ao tempo construídas e que bem poderiam substituir o trânsito rodoviário de mercadorias. O abandono a que foram votadas as linhas-férreas de Trás-os-Montes e Alto-Douro são o paradigma do que se não deve fazer. Uma vez mais, compare-se com o Reino de Espanha. Aqui, todas as linhas-férreas estão a ser modernizadas substituindo-se a “bitola peninsular” pela “bitola europeia” a fim de eliminar, na medida do possível, o tráfego rodoviário de mercadorias.
         E quanto à liberdade, nem se pode comparar.
Durante a monarquia e com a total liberdade, nasceram centenas de jornais, muitos dos quais ainda existentes (por exemplo, o Século, o Diário Popular, o Jornal de Notícias, o Primeiro de Janeiro), e eram totalmente livres a ponto de não constar que alguém tivesse ido a juízo pelas ideias expostas publicamente.
         Seria possível, a não ser em Monarquia, a liberdade de um Rafael Bordalo Pinheiro? Quem se não lembra dos seus desenhos satíricos? de um Guerra Junqueiro, com a sua “Velhice do Padre Eterno”? e nunca foram perseguidos! Seria possível, em Lisboa, o “speaking corner” londrino?
         É essa liberdade de pensamento e de expressão que divide a Monarquia da República.
         Uma vez instituída a República, logo começaram os assaltos às redacções de jornais e à perseguição dos cidadãos pela expressão do seu pensamento!
         A base de uma verdadeira democracia só é possível num regime monárquico, e não é por acaso que a imprensa livre só o é verdadeiramente nas Monarquias Europeias e só numa única República (os Estados Unidos da América pelas razões da sua génese).
         E, por último, as relações com a Igreja Católica.
         Aqui também foi uma verdadeira lavagem cerebral. A Igreja Católica, enquanto tal, nunca levantou um dedo contra a República, antes pelo contrário! A República foi “feita por todos e por todos foi aceite”. E os bispos recomendaram respeito pelas novas autoridades, “sem pensamento reservado”.
         Os Republicanos viraram-se contra a Igreja Católica para justificar os seus fracassos – foi o “bode expiatório” tal como o tinham sido os Judeus, no passado!
         E, no âmbito legislativo?
         A descentralização administrativa a favor das Câmaras Municipais e juntas de paróquia (como ao tempo se dizia) verificou-se em 6 de Maio de 1878, com a publicação do Código Administrativo que vigorou até aos nossos dias.
Foi alargado o direito de voto, em 8 de Maio de 1878.
O Registo Civil foi regulamentado em 26 de Novembro de 1878, e não só após o 5 de Outubro, como nos fizeram crer.
         Entrou em vigor o novo Código Civil – o Código de Seabra – que vigorou até 1966.
         A legislação era pensada e amadurecida e escrita em bom português. Era compreendida por todos e não eram necessárias as sucessivas correcções, como acontece nos dias de hoje, uma verdadeira “diarreia” legislativa!

FUNDAÇÕES

Numa altura de grave crise orçamental, continua muita gente sentada à mesa do Orçamento da República, sem que haja coragem política de por termo a este estado de coisas.
E de entre essas entidades que só existem porque recebem fundos provenientes dos impostos e dos empréstimos que a Nação é obrigada a contrair para fazer face aos inúmeros encargos que tem de satisfazer, estão as Fundações.
Existem, em Portugal, mais de 630 fundações e, de entre elas, muitas são que só sobrevivem porque recebem avultados subsídios estatais.
O que são fundações?
Segundo os melhores tratadistas nacionais, existem fundações “quando há afectação inicial de um património à realização de um fim, estabelecendo-se regras para a sua administração e disposição que têm de ser observadas por aqueles que depois sejam chamados a cumprir a vontade manifestada, sem que possam mudar-lhes a intenção” (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 8ª edição) ou “quando um indivíduo pretende criar ou manter uma obra de utilidade pública, financiando-a com uma certa parte do seu património, mas sem contrair um vínculo jurídico correspondente, podendo, em qualquer momento, por termo à afectação desses bens àqueles fins” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª reimpressão).
Assim, uma fundação para que tenha existência legal, em Portugal, tem de ser instituída por acto entre vivos ou por testamento. Se for por acto entre vivos, tem de ser, obrigatoriamente, por escritura pública, sendo irrevogável logo que se inicie o processo de reconhecimento, com o envio ao Ministério Público para controlo.
E, logo no acto da sua constituição, deve ser indicado o fim da fundação e qual o seu património para atingir esses mesmos fins.
E a fundação não poderá ser reconhecida se não satisfizer, cumulativamente, dois requisitos essenciais:
a) O fim tem de ser considerado de interesse social;
b) Os bens afectados têm de ser suficientes para a atingir os fins a que se propõe.
Pretende-se, com isso, realizar, em plenitude, o fim visado pelo instituidor, tendo sempre presente duas directivas:
1.  – Garantindo condições de vida à fundação para atingir o seu desiderato institucional, e
2.  – Respeitando, na medida do possível, a vontade, real ou presumível, do instituidor.
Sendo reconhecida, e sendo uma pessoa colectiva, tem a vida das outras pessoas colectivas e será extinta se se verificar a sua insolvência, isto é, quando o seu passivo for maior que o seu activo.
Ora, não faz nenhum sentido que alguns cidadãos constituam fundações sem lhes afectarem o património suficiente para o fim a que se propuseram, sendo, posteriormente, o Povo, sempre o mesmo, a suportar essa fundação que foi criada, a maior parte das vezes, para ostentar o nome do seu instituidor. Foi criada, portanto, por pura vaidade do instituidor.
Se o seu património não é suficiente para atingir os fins a que se propusera, a fundação deve ser extinta, pura e simplesmente.
E a fundação de que mais se tem falado, nos últimos tempos, é a Fundação Saramago cuja sede foi dada pelo Povo de Lisboa – Casa dos Bicos – e quanto ao restante serão os portugueses a suportarem com os seus impostos, desde logo com as obras necessárias na adaptação da futura sede – 2,5 milhões de euros – e mais tarde com a sua manutenção e pagamento dos salários dos funcionários.

TRAIÇÕES

O ser humano, ao atingir uma determinada posição, entra facilmente em contradições porque se esquece facilmente do que disse e do que fez há muito (às vezes pouco) tempo.
Alguns membros de algumas associações às quais estão vinculados, defendem os interesses associativos, mas ao fim de algum tempo defendem ideias contrárias às que estão obrigados pelos respectivos estatutos.
A título meramente exemplificativo: um membro de uma associação de defesa dos animais, em cujos estatutos esteja a proibição das touradas, não poderá vir a terreiro defendê-las. Assim como um membro da Amnistia Internacional não pode defender publicamente a pena de morte. Ou, naquele caso mais mediático, em que um membro de uma associação cívica concorreu, nas eleições, em lista concorrente à associação de que é membro efectivo.
Perante estas contradições que fazer?
As associações elencam, nos estatutos, os respectivos objectivos e os meios para os atingir. Nos mesmos estatutos também constam normas disciplinares com vista a regular as eventuais situações em que um dos membros viole os fins da respectiva associação, através de instauração de um processo disciplinar com vista ao apuramento do grau da culpa e aplicação da respectiva sanção, a mais grave das quais é a expulsão.
Que fazer, então?
Desde logo o levantamento de um processo disciplinar, com vista à determinação das responsabilidades administrativas (que não penais) pelo que as garantias de defesa não são tão fortes quanto as desta, desde logo porque não é obrigatória a constituição de advogado.
O demandado é notificado para, no prazo estatutário, apresentar a sua defesa, querendo no prazo que for fixado, obedecendo aos mais elementares princípios de defesa:
» Princípio da legalidade – não há infracção se a mesma não estiver prevista no regulamento disciplinar ou nos estatutos da associação à data da prática dos factos e sem que esteja prevista a respectiva sanção; radica no brocardo latino de “nulla poena sine lege ante”;
» Princípio do contraditório – garante a plena igualdade de oportunidades processuais das partes (as mesmas “armas”) – autor e acusado – garantindo a defesa deste, que apresentará as testemunhas a serem inquiridas e arrolará os documentos que entender;
» Princípio da presunção de inocência – todos são considerados inocentes, e assim devem ser tratados, até que haja uma decisão irrecorrível que o declare culpado. É uma garantia individual, cabendo ao acusador demonstrar, no processo, que não há causas que excluam ou isentem o acusado da sanção;
» Princípio da dignidade da pessoa humana – o acusado tem o direito de ser julgado conforme a lei, de forma justa, podendo provar, contrapor, alegar, defender-se de forma ampla, garantindo que não seja um mero espectador do seu próprio julgamento, não permitindo que o processo seja inquisitivo;
» Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade – visa a protecção do acusado contra o arbítrio do autor, restringindo o exercício do poder, desejando-se que os actos do autor estão impregnados do valor da justiça, para não ser um ajuste de contas;
» Princípio da igualdade ou isonomia – o autor não pode estabelecer privilégios ou discriminações seja em que circunstância for, devendo tratar equitativamente todos os membros da associação – para um mesmo comportamento a mesma sanção;
» Princípio da publicidade – todas as acções serão públicas e as decisões fundamentadas.
Ora, se nos estatutos de uma associação cívica está prevista a pena de expulsão de um membro que pratique uma falta grave e se o conceito de falta grave está igualmente prevista nos estatutos nada mais resta à associação cívica, seja ela qual for, que não seja a expulsão do respectivo membro, fazendo aplicar os estatutos.
Uma coisa é, no momento de exercer o seu direito, votar contra a associação de que é membro, votando noutro concorrente – o voto é secreto e ninguém saberá o sentido do voto do associado eleitor. Coisa bem diferente é constituir ou integrar uma lista concorrente à associação de que é membro efectivo, votando e sendo eleito, exercendo funções contra a linha da associação cívica de que é membro.
Quem assim se comporta não pode pensar noutro sentido. O seu comportamento (activo) foi de verdadeira traição à associação de que faz parte integrante e se a associação não reagir, expulsando os membros que assim se comportam, não poderá apresentar publicamente a credibilidade e a honorabilidade necessárias.
O comportamento desses associados equipara-se aos sócios-gerentes de empresas que, traindo a confiança que os demais sócios em si depositaram, constituem empresas concorrentes, argumentando que esses actos de modo algum integram uma traição, porque não fazem concorrência a si próprios. A eles mesmos não porque ganham pelo outro lado; mas aos demais sócios, sim, que vêm a facturação a baixar!
Estes tipos de raciocínios demonstram que:
1. – Começa a fazer escola a táctica de passar por vítima inocente depois da prática de acções incorrectas;
2. - Como o princípio da boa fé anda de rastos em Portugal – está apenas de boa fé quem tiver um comportamento correcto, honesto e leal perante outrem. A boa fé é uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada para não não defraudar ou abusar da confiança alheia, o respeito e a obrigação perante os demais.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos segue em texto livre, com uma linguagem tanto quanto possível despida da linguagem técnica, para dar, aos leitores do JM, uma ideia clara que dos direitos que TODOS temos:
Todos nascemos livres e iguais em dignidade e em direitos e somos dotados de razão, devendo agir, uns para com os outros, em espírito de fraternidade.
Todos podemos invocar os nossos direitos e as nossas liberdades, sem qualquer distinção, seja de raça, de cor, de língua, de religião ou outra.
Todos temos direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Todos estamos livres da escravidão e da servidão, sendo proibida a escravatura e o comércio de escravos.
Não podemos ser submetidos a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Todos temos o direito à nossa personalidade jurídica onde quer que estejamos.
Todos somos iguais perante a lei e temos direito à protecção da lei.
Todos temos a mesma protecção contra qualquer discriminação.
Todos temos direito ao recurso efectivo aos tribunais competentes contra os actos que violem os nossos direitos fundamentais.
Não podemos ser arbitrariamente presos, detidos ou exilados.
Todos temos direito a sermos julgados equitativa e publicamente por um tribunal independente e imparcial seja em direitos ou obrigações seja em matéria penal.
Todos somos inocentes até ao trânsito em julgado de uma decisão em processo público em que todas as garantias de defesa nos sejam asseguradas. E só podemos ser condenados se a pena for prevista à data da prática do facto e não poderá ser superior à prevista à data da acção.
Não podemos sofrer intromissões na nossa vida privada, na nossa família, no nosso domicílio ou na nossa correspondência, nem ataques à nossa honra e à nossa reputação. Contra tais intromissões temos direito à protecção da lei.
Todos temos direitos em circular livremente e escolher o local de residência no interior do nosso país e temos o direito de o abandonar e de a ele regressar.
Se perseguidos, temos o direito em procurar e de beneficiar de asilo noutro país excepto nos casos de prática de crimes de direito comum ou por actividades contrárias à Carta das Nações Unidas.
Todos temos o direito a uma nacionalidade. Não podemos ser privados arbitrariamente da nossa nacionalidade nem do direito de mudarmos de nacionalidade.
A partir da idade núbil, temos o direito de casar livremente e de constituir família, sem restrições de raça, de nacionalidade ou de religião. Durante o casamento, e na altura da sua dissolução, ambos temos direitos iguais. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção do Estado.
Todos temos o direito à propriedade não podendo sermos arbitrariamente privados dela.
Todos temos direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, e temos também o direito de mudar de religião ou de convicção, assim como de as manifestar em público ou em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
Todos temos o direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado por elas e o direito de procurar, receber e difundir, sem fronteiras, as informações e as ideias por qualquer meio.
Todos temos o direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas, não podendo ser obrigados a pertencer a uma associação.
Todos temos o direito de participação política directa ou indirectamente por intermédio de representantes livremente escolhidos, assim como todos temos o direito ao acesso, em condições de igualdade, à função pública.
Todos, como membros da sociedade, temos o direito à segurança social e podemos exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis de harmonia com a organização e os recursos no nosso país.
Todos temos direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho e à protecção contra o desemprego.
Todos temos direito a salário igual por trabalho igual. Trabalhando, todos temos o direito a uma remuneração equitativa e satisfatória que nos permita uma existência conforme à dignidade humana, e completada, se for possível, com outros meios de protecção social. Temos direito a fundar sindicatos para defesa dos nossos interesses.
Todos temos direito ao repouso e ao lazer e a férias periódicas pagas.
Todos temos direito a um nível de vida suficiente que nos assegure, a nós e à nossa família, saúde e bem-estar, principalmente no que respeita à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica, à segurança no desemprego, na doença e na invalidez, na viuvez, na velhice e noutros casos de perda de meios de subsistência independentes da nossa vontade.
A maternidade e a infância têm direito à ajuda e a assistência, e todas as crianças gozam da mesma protecção social.
Todos temos o direito à educação que deverá ser gratuita, pelo menos, no ensino elementar fundamental que deverá ser obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado e o acesso à universidade deve ser aberto a todos em função do mérito.
Todos temos o direito de participar livremente na vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultem.
Todos temos o direito à protecção dos nossos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística de que sejamos autores.
Todos temos direito à paz social para que as nossas liberdades e os nossos direitos sejam efectivos.
Todos temos deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da nossa personalidade.
No exercício dos nossos direitos e gozo das nossas liberdades estamos sujeitos às limitações legais com vista a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.

DIREITOS HUMANOS - II

Os Direitos dos Homem (Direitos Humanos) tiveram, ao longo dos séculos, uma evolução lenta, não se podendo falar em “direitos humanos” até à modernidade no Ocidente.
Para uns, a existência dos direitos subjectivos, tal como hoje se concebem, foram objecto de debates ao longo dos séculos XVI a XVIII, sendo que os direitos humanos, enquanto tais, são produto da afirmação progressiva da individualidade e que de acordo com ele, a ideia de direitos do homem surgiu, pela primeira vez, na luta da burguesia com o sistema do Antigo Regime.
Para outros, os direitos humanos têm as suas raízes no mundo clássico. Um dos documentos mais antigos em que são abordados os direitos humanos é o “cilindro de Ciro” que contém uma declaração do réu persa Ciro II depois da conquista da Babilónia (539 AEC). Pensa-se que seja o resultado de uma tradição da Mesopotâmia centrada na figura de um rei justo, cujo primeiro exemplo é o Rei Urukagina, de Lagash (Século XXIV AEC). Nesse cilindro é declarada a liberdade de religião e a abolição da escravatura em algumas condições.
Na Roma antiga, o conceito de cidadão romano foi alargado a todos os residentes do Império, com Caracala, que, pelo Constitutio Antoniniana (212 EC) concede a cidadania romana a todos os habitantes livres do império, principalmente aos bárbaros vencidos reinstalados no Império Romano como colonos agrícolas. Tinha em vista a unificação jurídica das relações jurídicas privadas pela aplicação generalizada do Direito Romano (ponha, assim, termo ao ius gentium – direito dos gentios, dos estrangeiros).
Documentos, posteriores como a “Magna Charta Libertatum” (Inglaterra) do ano de 1215, sendo a mais importante a cláusula da segurança (61ª) que permitia que uma comissão de 25 barões poderia reformar qualquer decisão real, até mesmo pela força, se necessário! Para as liberdades individuais, a mais importante era a cláusula 39ª, segundo a qual “nenhum homem seria preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído … … … a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra”.
 A “Carta de Mandém”, que declarou a fundação do Império do Mali (em 1222), também aludiu aos direitos dos cidadãos contra o opressor, nomeadamente o direito de propriedade e a liberdade de circulação e de comércio.
Durante a Revolução Inglesa, a burguesia conseguiu satisfazer as suas exigências contra os abusos da coroa, limitando o poder do rei sobre os súbditos, proclamando a “Lei do Habeas Corpus”, em 1679, e em 1689, o Parlamento impôs a Guilherme III a “Carta dos Direitos”, sobre alguns assuntos em que o rei não poderia legislar nem decidir.
Nos séculos XVII e XVIII, alguns filósofos europeus (com destaque para John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau) desenvolveram o conceito de direitos naturais que não dependiam nem da cidadania nem das leis de um qualquer estado, nem estavam limitadas pela etnia, pela cultura ou religião.
Nascera a teoria do “Contrato Social”, baseada na ideia em que os direitos individuais são naturais e que, no estado de natureza, todos os homens são titulares de todos os direitos.
Na época moderna, a primeira declaração dos direitos humanos da Virgínia, de 12 de Junho de 1776, que influenciou Thomas Jefferson na declaração dos direitos humanos existentes na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de Julho de 1776, assim como também influenciou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em França.
Porém, nesta época, não obstante todos os avanços dos direitos do cidadão, ainda havia seres humanos que sofriam de capitis diminutio, nomeadamente os negros e as mulheres.
Só no século XX, quando as atrocidades cometidas pelo Eixo, em especial pela Alemanha Nazi, se tornaram conhecidas, o consenso entre a comunidade internacional era que a Carta das Nações Unidas não tinha definido suficientemente os direitos individuais. Urgia uma declaração (universal) que especificasse os direitos individuais para dar efeito aos direitos humanos.
Foi através da Carta das Nações Unidas (20 de Junho de 1945) que os povos exprimiram a determinação em “preservar as gerações futuras do flagelo da guerra e proclamar a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade de direitos entre homens e mulheres, assim como das nações”.
E, assim, em 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia-Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, peça fundamental em muitas das constituições (escritas) de muitos países, incluindo Portugal.
Não obstante a sua existência, muitos países não a respeitaram, pelo que foi necessário preparar outros documentos que especificam os direitos presentes na Declaração a fim de os Estados poderem ser forçados a cumpri-la. E, deste modo, nasceram o “Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos” e o “Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais” e os protocolos do “Pacto dos Direitos Civis e Políticos” (que aboliu, em 1989, a pena de morte) constituindo a “Carta Internacional dos Direitos do Homem”.
Em 1979, Karel Vasak propôs a classificação dos direitos humanos, inspirado no Lema da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – tendo posteriormente, com o avanço da tecnologia, a doutrina estabelecido uma quarta geração de direitos tecnológicos.
» Direitos de Liberdade – os direitos civis, os direitos políticos e as liberdades clássicas;
» Direitos de Igualdade – os direitos económicos, os direitos sociais e os direitos culturais;
» Direitos de Fraternidade – os direitos ao meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, de progresso, de paz, de autodeterminação dos povos e outros direitos difusos;
» Direitos Tecnológicos – os direitos de informação e o biodireito.

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Como curiosidade, em Portugal, a Assembleia da República, aprovou, em 1998, que o dia 10 de Dezembro fosse “O Dia Nacional dos Direitos Humanos”.

DIREITOS HUMANOS

Muito recentemente, alguns jornais deram à estampa uma notícia de que o resto da nossa comunicação social silenciou e não ouvi ninguém, mas mesmo ninguém, falar do assunto.
Eis os factos:
Um automóvel teve de parar numa passadeira para deixar passar um peão. Como este não fizesse rapidamente a travessia, o companheiro da condutora saiu da viatura e agrediu violentamente o transeunte que teve de receber tratamento no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, tendo vindo a falecer no dia seguinte. Consumada a agressão, a viatura fugiu abandonando a vítima a sangrar.
Era negro o transeunte? Não!
Era estrangeiro? Não!
Era muçulmano? Não!
Era apenas branco, de 67 anos de idade e deficiente por amputação de um membro posterior e, como tal, deslocava-se mais lentamente que um cidadão escorreito.
Fosse o agredido negro, muçulmano, estrangeiro, vinham logo a terreiro as conhecidas ONG, nacionais ou estrangeiras, falar em xenofobia, em racismo, em tudo ou mais alguma coisa. Os partidos de esquerda viriam logo a terreiro pedir a cabeça do autor da agressão, desse malfadado nazi-fascista.
Mas como o agredido era deficiente e branco, nenhuma voz da nossa praça se levantou em sua defesa. Agredir violentamente quem se não pode defender não é nota digna de registo na comunicação social que temos. Notícia era se a vítima, mesmo que podendo defender-se do agressor, fosse de outra raça ou credo ou território de origem. Do facto teríamos longas horas de debates televisivos, em todos os canais, ad nauseam, como sempre nestes casos.

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Outra curiosidade deste pobre País.
Um partido político realizou uma corrida de touros. Até aqui nada de novo. Também a RTP o faz, assim como outras organizações, sem que a “ANIMAL” proteste.
Quem é contra as touradas – espectáculo bárbaro – é contra todas elas independentemente dos organizadores. Nestes casos, como noutros, não há meios-termos: ou se é contra ou a favor do evento, independentemente da entidade organizadora.
Agora, ser contra umas e calar-se perante outras é um mau sinal e toda a actividade dos autênticos activistas contra as touradas perde força.

JULGADOS DE PAZ

Os Juizes de Paz, com uma terminologia diferente daquela que hoje apresentam, foram gerados nos primórdios da nacionalidade, onde se elegiam para as funções jurisdicionais e administrativas de entre os “homens bons” (com base no conceito do “bonus pater familiae”) com considerações de justiça, isto é, a criação de melhores condições para a realização do acesso dos cidadãos ao Direito e à Justiça.
Num passado mais recente, os Julgados de Paz beberam da Constituição de 1822, da Carta Constitucional de 1826, das Constituições de 1838, 1911 e 1933, sendo, finalmente!, restaurados com a revisão constitucional de 1997, com base num projecto de Lei do Partido Comunista Português, com a entrada em vigor da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que aprovou a organização, a competência e o funcionamento dos Julgados de Paz.
À luz do princípio da universalidade que preside à política nacional no respeito pelo direito fundamental de acesso ao direito e à justiça consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a rede nacional de Julgados de Paz deverá abarcar todo o território nacional. Actualmente, encontram-se instalados e a funcionar Julgados de Paz que servem a população de 57 concelhos.
Os julgados de Paz estão vocacionados para permitirem a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes, e são orientados pelos princípios de simplicidade, de adequação, de informalidade, de oralidade e absoluta economia processual, em todas as acções cujos valores não excedam a alçada do Tribunal de 1ª Instância – 5.000,00 euros – e assim podem julgar acções declarativas de:
a)       Acções de cumprimento de obrigações, excepto as que tenham por objecto prestações pecuniárias e de que sejam ou tenham sido credores originárias pessoas colectivas;
b)      Acções de entrega de coisas móveis;
c)       Acções resultantes de direitos e de deveres de condóminos, sempre que a assembleia-geral não tenha deliberado no sentido da obrigatoriedade de compromisso arbitral para a resolução de litígios entre condóminos ou entre condóminos e o administrador;
d)      Acções de resolução de litígios entre proprietários de prédios relativos a passagem forçada momentânea, escoamento de águas, comunhão de valas, regueiras e valados, sebes vivas, abertura de portas e varandas, plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios e estilicídio;
e)       Acções possessórias, usucapião e acessão;
f)        Acções sobre o direito de uso e administração de compropriedade, da superfície, do usufruto, do uso e da habitação e ao direito real de habitação periódica;
g)       Acções respeitantes ao arrendamento urbano, excepto as acções de despejo;
h)      Acções respeitantes à responsabilidade civil contratual e extracontratual;
i)         Acções respeitantes ao incumprimento contratual, à excepção do contrato de trabalho e do arrendamento rural;
j)         Acções que respeitem à garantia geral das obrigações;
k)      Pedidos de indemnização cível, nos casos em que não haja participação criminal, emergentes de ofensas corporais simples, ofensa à integridade física por negligência, difamação, injúrias, furto simples, danos simples, alteração de marcos, burla para obtenção de alimentos, de bebidas ou de serviços.
Interposta a acção por escrito ou verbalmente (reduzida a escrito pelo funcionário do Julgado de Paz) é citado o demandado para contestar, por escrito ou verbalmente, em 10 dias. O demandante é notificado da contestação e da data da sessão de pré-mediação. Se uma das partes não comparecer, é marcada a data da audiência de julgamento.
Os processos podem terminar por acordo das partes, sendo, sempre ratificados pelo Juiz de Paz, tendo força de caso julgado como as demais sentenças judiciais.
A título de custas processuais, cada parte paga 35 euros. Quem perder paga, a final, 35 euros, sendo que quem ganhar recebe de volta os 35 euros inicialmente pagos, pelo que, uma acção num Julgado de Paz custa a quem perder 70 euros. Para além do mais, não é obrigatória a constituição de advogado, pelo que as partes em litígio podem resolver os seus problemas “olhando-se olhos nos olhos”, frente a um Juiz ou a um Mediador.

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Curiosamente, havendo Julgados de Paz em 57 concelhos do País, no distrito do Porto, apenas existem 3 (!), em Vila Nova de Gaia, Porto e Trofa. Não os há em Matosinhos, Maia, Valongo, Gondomar, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, terras com elevada densidade populacional.
Ainda como curiosidade, existem Julgado de Paz nos Concelhos de Terras de Bouro, Miranda do Corvo, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa, Resende e Moimenta da Beira, concelhos de baixa densidade populacional e sem grandes litígios sociais, penso.
No Concelho de Matosinhos, devido à densidade populacional e à litigiosidade social, não faz sentido não existir um Julgado de Paz, tendo unicamente de recorrer-se ao Tribunal Judicial para a resolução de pequenos litígios, as chamadas “bagatelas cíveis”, como sejam por exemplo, as dívidas aos condomínios, a ocupação dos lugares de garagem dos vizinhos, a emissão de fumos e de cheiros para os vizinhos, o alijar de lixos pelas janelas que entram para as habitações dos andares de baixo, os danos provocados pelas pontas dos cigarros nas roupas a secar ou nos toldos, o ruído provocado pelos cães durante a noite, e os ruídos de vizinhança, ou dos litígios no âmbito do direito do consumo ou dos acidentes de viação.
As autoridades municipais deveriam pensar nisto, e tudo fazer para a instalação, em Matosinhos, de um Julgado de Paz, contribuindo, com isso, para a paz social.
Haverá vontade política?