segunda-feira, 29 de novembro de 2010

TRAIÇÕES

O ser humano, ao atingir uma determinada posição, entra facilmente em contradições porque se esquece facilmente do que disse e do que fez há muito (às vezes pouco) tempo.
Alguns membros de algumas associações às quais estão vinculados, defendem os interesses associativos, mas ao fim de algum tempo defendem ideias contrárias às que estão obrigados pelos respectivos estatutos.
A título meramente exemplificativo: um membro de uma associação de defesa dos animais, em cujos estatutos esteja a proibição das touradas, não poderá vir a terreiro defendê-las. Assim como um membro da Amnistia Internacional não pode defender publicamente a pena de morte. Ou, naquele caso mais mediático, em que um membro de uma associação cívica concorreu, nas eleições, em lista concorrente à associação de que é membro efectivo.
Perante estas contradições que fazer?
As associações elencam, nos estatutos, os respectivos objectivos e os meios para os atingir. Nos mesmos estatutos também constam normas disciplinares com vista a regular as eventuais situações em que um dos membros viole os fins da respectiva associação, através de instauração de um processo disciplinar com vista ao apuramento do grau da culpa e aplicação da respectiva sanção, a mais grave das quais é a expulsão.
Que fazer, então?
Desde logo o levantamento de um processo disciplinar, com vista à determinação das responsabilidades administrativas (que não penais) pelo que as garantias de defesa não são tão fortes quanto as desta, desde logo porque não é obrigatória a constituição de advogado.
O demandado é notificado para, no prazo estatutário, apresentar a sua defesa, querendo no prazo que for fixado, obedecendo aos mais elementares princípios de defesa:
» Princípio da legalidade – não há infracção se a mesma não estiver prevista no regulamento disciplinar ou nos estatutos da associação à data da prática dos factos e sem que esteja prevista a respectiva sanção; radica no brocardo latino de “nulla poena sine lege ante”;
» Princípio do contraditório – garante a plena igualdade de oportunidades processuais das partes (as mesmas “armas”) – autor e acusado – garantindo a defesa deste, que apresentará as testemunhas a serem inquiridas e arrolará os documentos que entender;
» Princípio da presunção de inocência – todos são considerados inocentes, e assim devem ser tratados, até que haja uma decisão irrecorrível que o declare culpado. É uma garantia individual, cabendo ao acusador demonstrar, no processo, que não há causas que excluam ou isentem o acusado da sanção;
» Princípio da dignidade da pessoa humana – o acusado tem o direito de ser julgado conforme a lei, de forma justa, podendo provar, contrapor, alegar, defender-se de forma ampla, garantindo que não seja um mero espectador do seu próprio julgamento, não permitindo que o processo seja inquisitivo;
» Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade – visa a protecção do acusado contra o arbítrio do autor, restringindo o exercício do poder, desejando-se que os actos do autor estão impregnados do valor da justiça, para não ser um ajuste de contas;
» Princípio da igualdade ou isonomia – o autor não pode estabelecer privilégios ou discriminações seja em que circunstância for, devendo tratar equitativamente todos os membros da associação – para um mesmo comportamento a mesma sanção;
» Princípio da publicidade – todas as acções serão públicas e as decisões fundamentadas.
Ora, se nos estatutos de uma associação cívica está prevista a pena de expulsão de um membro que pratique uma falta grave e se o conceito de falta grave está igualmente prevista nos estatutos nada mais resta à associação cívica, seja ela qual for, que não seja a expulsão do respectivo membro, fazendo aplicar os estatutos.
Uma coisa é, no momento de exercer o seu direito, votar contra a associação de que é membro, votando noutro concorrente – o voto é secreto e ninguém saberá o sentido do voto do associado eleitor. Coisa bem diferente é constituir ou integrar uma lista concorrente à associação de que é membro efectivo, votando e sendo eleito, exercendo funções contra a linha da associação cívica de que é membro.
Quem assim se comporta não pode pensar noutro sentido. O seu comportamento (activo) foi de verdadeira traição à associação de que faz parte integrante e se a associação não reagir, expulsando os membros que assim se comportam, não poderá apresentar publicamente a credibilidade e a honorabilidade necessárias.
O comportamento desses associados equipara-se aos sócios-gerentes de empresas que, traindo a confiança que os demais sócios em si depositaram, constituem empresas concorrentes, argumentando que esses actos de modo algum integram uma traição, porque não fazem concorrência a si próprios. A eles mesmos não porque ganham pelo outro lado; mas aos demais sócios, sim, que vêm a facturação a baixar!
Estes tipos de raciocínios demonstram que:
1. – Começa a fazer escola a táctica de passar por vítima inocente depois da prática de acções incorrectas;
2. - Como o princípio da boa fé anda de rastos em Portugal – está apenas de boa fé quem tiver um comportamento correcto, honesto e leal perante outrem. A boa fé é uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada para não não defraudar ou abusar da confiança alheia, o respeito e a obrigação perante os demais.

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