segunda-feira, 29 de novembro de 2010

SARAMAGO

         Hesitei em escrever umas linhas sobre as afirmações de José Saramago aquando da apresentação pública no seu novo romance “Caim”, já que muito se escreveu e se disse a respeito. Mas não posso calar-me, porque tenho o direito à indignação (Mário Soares, o fixe, dixit).
         A questão não está no conteúdo do livro, nem foi disso que toda a comunicação social escreveu e disse durante estes dias, mas, aos poucos, muita da comunicação social, entre elas a RTP, branqueou as suas afirmações. E Judite de Sousa abordou tão-só o teor do romance publicado. E calou tudo quanto foi dito por Saramago na apresentação pública do seu livro. Aqui, sim, é que insultou tudo e todos.
E assim vai a nossa comunicação social, daí que Portugal esteja ao nível do Mali, o que é uma lisonja para este país e não já para Portugal.
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“Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento atesta a obra de Suas mãos” [Salmos (Tehilim) 19:2].
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José Saramago nada disse de novo do Livro, enquanto livro de História, mas afirmar, como afirmou que tudo aquilo era mentira e que “nada do que está na Bíblia existiu”, é que não posso aceitar. Como também não posso aceitar que tivesse escrito que Deus era um “filho da p***”. (*)
Mas despindo qualquer tipo de preconceito, afirmar-se, como afirmou José Saramago, que nada do que está escrito existiu é uma pura mentira, como o atestam as pesquisas arqueológicas do último século. E quanto mais se pesquisa mais se descobre a realidade dos factos relatados no Livro.
Para Saramago não existe o rio Nilo. Não existe a Península do Sinai. Não existe o deserto do Negev. Não existe o Lago Salgado (Mar Morto). Não existe o Lago Kinerete (Lago Tiberíades). Não existiu a invasão Assíria. Não existiu a invasão Persa. Não existiram as destruições de Jerusalém. Não existiu a invasão Grega, primeiro, seguida da invasão Romana, depois. Nem as longas lutas de resistência contra os invasores, contra a opressão e em defesa da liberdade física e do culto monoteísta.
Como escritor, Saramago tem perfeita consciência do que é a exegese de um texto, seja ele qual for, incluindo as histórias infantis, cujas interpretações não podem ser puramente literais. Como sabe também que não se podem tirar textos do seu contexto. Como sabe também que o Livro começou a ser escrito há cerca de 50 séculos, pelo que a cultura do Povo do Livro foi evoluindo ao longo dos séculos e como isso está perfeitamente espelhado nos textos que constituem os “Escritos” e os “Profetas”.
Também sabe a diferença da cultura ocidental das dos outros povos. Tem perfeita consciência de que os actuais valores da vida e da liberdade têm a sua raiz mais profunda no Livro, pelo que nós nos distinguimos perfeitamente dos outros povos que não têm o Livro como base da sua civilização: a vida para nós tem um valor muito diferente. Por isso, somos visceralmente contra a pena de morte, desde a concepção até à morte natural. Contra os tratamentos desumanos e cruéis. Por isso, as penas privativas da liberdade procuram ser as mais humanas possíveis: não isolamos os presos; não os impedimos de falar uns com os outros; alimentamo-los e cuidamos da sua saúde e higiene e até da sua educação e cultura porque sustentamos a sua integração social. Não açoitamos os criminosos; não lhes cortamos as mãos; nem os empalamos.
E, em caso de guerra, os nossos soldados não atacam deliberadamente os civis, não se escondem no meio deles, nem mandam mulheres e crianças à frente. E preocupam-se com os danos colaterais. Não nos fazemos explodir no meio dos civis. Nem protegemos os edifícios com civis no telhado. Nem educamos as crianças para a barbárie, fazendo-as odiar os outros.
Aquando da última guerra mundial, os japoneses admiravam-se como os americanos, os ingleses e os australianos se rendiam quando não viam a possibilidade de vencer. Não compreendiam que a vida, enquanto supremo bem, tem de ser defendida custe o que custar. E também sabemos como os japoneses trataram os povos dos territórios que invadiram e os prisioneiros de guerra. E da maneira quase cortês como os ocidentais tratavam os prisioneiros japoneses.
E se José Saramago pode, hoje, exprimir as suas ideias fá-lo graças à liberdade física caldeada ao longo de uma luta de séculos com base nos ensinamentos do Livro.

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(*) Espero que o Senhor Procurador-Geral da República, perante os insultos proferidos e escritos por José Saramago, aja e faça cumprir as disposições do Código Penal. A Lei é para todos, incluindo José Saramago que não pode estar acima dela.

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